domingo, 1 de maio de 2011

Economia Real e Economia Virtual (Terceiro)

Economia Real e Economia Virtual (3)



«A Argentina, desde 1989,seguiu literalmente todas as recomendações do FMI e de todas as instâncias financeiras internacionais. O conjunto do património do Estado foi privatizado» (…) «…o comércio externo inteiramente liberalizado, o controlo dos câmbios suprimido, milhares de funcionários públicos reformados ou com os salários e as pensões de reforma diminuídas, para reduzir o deficit do Estado. A própria moeda foi colocada em paridade (inscrita na Constituição!) com o Dólar para impedir qualquer futuro de a desvalorizar. Não obstante, o montante da venda do património do Estado, que atingiu dezenas de milhares de milhões de Dólares, pura e simplesmente evaporou-se, graças a uma corrupção monumental …E nem sequer serviu para pagar a dívida externa do país! Mais insólito ainda, essa dívida, que era de 8 mil milhões de Dólares antes das privatizações, atingiu, após a venda dos bens do Estado, um montante 16 vezes mais elevado (132 mil milhões)» (…) «No entanto a Argentina continuava a ser o “melhor aluno” do FMI. Domingo Cavallo, o seu Ministro da Economia era, segundo o New York Times ,o “herói liberal do ano”. Por todos os que veneravam o “ultraliberalismo”e que não paravam de incensar “o modelo argentino” a Argentina era considerada um modelo exemplar. Foi este modelo que, após quatro anos de recessão económica, se desmoronou tragicamente em Dezembro de 2001.» -Carlos Gabeta, in “La Debacle de Argentina”.


Tínhamos acabado o nosso segundo capitulo deste escrito, afirmando, que, apesar de tudo, os filhos da revolução da “ economia-net” não foram devorados.

E a Globalização, por seu lado, saiu da puberdade.

Ainda recordando a Argentina, deve sublinhar-se que os novos dirigentes, a partir de Janeiro de 2002, demoliram o sistema liberal e mandaram o FMI “às malvas”. Segundo o “Le Monde” de 3 de Janeiro, desse ano, no discurso de investidura de Eduardo Duhalde este afirmou: «…O meu empenhamento a partir de hoje, é acabar com este modelo [ modelo liberal ] esgotado que mergulhou no desespero a grande maioria do nosso povo.» (…)«…que atirou para a pobreza dois milhões de compatriotas, destruiu a classe média, arruinou as nossas indústrias e reduziu a nada o trabalho dos Argentinos».

Como dizem os cronistas e historiadores desse tempo «raramente os danos do ultraliberalismo foram tão severa e claramente denunciados.»

Mas este caso Argentino demonstra, como a globalização do capital financeiro colocou, coloca e colocará os povos numa situação de insegurança generalizada.

As Nações (e seus Estados), enquanto lugares próprios para o exercício da democracia e garantes do bem comum, são contornadas e rebaixadas pela globalização.

A globalização em geral e em particular a globalização financeira criou, aliás, o seu próprio Estado.

«Esse Estado mundial é um poder sem sociedade.»(…)«O papel desempenhado pelos mercados financeiros e pelas mega-empresas ,de que ele é o mandatário, faz com que as sociedades realmente existentes sejam sociedades sem poder.» (André Gorz, in “Misérias do presente ,Riquezas do Futuro”) .

A OMC (Organização Mundial do Comércio) tornou-se, desde 1995, numa instituição dotada de poderes supranacionais. Não tem controlo das democracias parlamentares. Interfere nas legislações nacionais nas mais diversas e importantes matérias (ambiente, saúde, direito laboral). Faz Leis e revoga-as.

Só dará por isso quem quiser e quem puder.

As megaconcentrações estão na sua mão.
A banca, a indústria farmacêutica, a indústria química, os media, as telecomunicações, as indústrias agroalimentares e a indústria automóvel, são os sectores mais sensíveis às fusões e aquisições (aos casamentos entre empresas) que se têm verificado nos últimos dez anos, sob a batuta da OMC.

Qual a razão, desta efervescência ?

Os grandes grupos da tríade (EUA, EU e Japão) aproveitando a desregulação da economia real, querem ter uma presença planetária. Procuram ser actores importantes em cada um dos grandes países e deter quotas de mercado significativas. Ao chegarmos ao ano de 2000 vários factores (baixas de taxas de juro, crise asiática de 1997,crise argentina, a capacidade financeira dos fundos de pensões americanos e ingleses, melhor rentabilidade das empresas na U.E. e E.U.A) “doparam” as bolsas ocidentais e provocaram a embriaguês das fusões.

É do jornal “Liberation” a seguinte afirmação, há poucos anos,«A partir de agora, os patrões estão completamente desinibidos»(…)«As trancas do capitalismo tradicional saltam, os pactos mútuos de não-agressão já não têm razão de ser.»

Para os predadores, as fusões apresentam inúmeras vantagens.

Permitem reduzir os efeitos da concorrência aproximando empresas desejosas de dominar de forma monopolista o seu sector. (Foi para não ser acusado de favorecer a reconstituição de «monopólios naturais» que o Governo dos E.U.A. apresentou queixa contra a Microsoft de Bill Gates, por violação de leis “antitrust”.)

O atraso em matéria de investigação e desenvolvimento, pode se recuperado, absorvendo empresas com avanço tecnológico.

Reduzir custos e dispensar trabalhadores constitui outra das possibilidades (a fusão das empresas farmacêuticas inglesas Glaxo e Wellcome traduziu-se em 7.500 desempregos , logo no primeiro ano, 10% do seu activo).

Os Estados são cada vez mais anões e as empresas (algumas) atingem “dimensões titânicas”. Já falámos no papel que Margaret Thatcher, e não só, teve no inicio dos anos oitenta.

Em suma o principal fenómeno da nossa época ,a globalização liberal, não é comandada pelos Estados, mas com ela convivem bem certos dirigentes ou “leaders” de alguns países.

A contestação a dirigentes políticos não é exclusiva dos países democráticos do Norte. Estende-se a Sul. Como se à mundialização financeira respondesse uma mundialização moral. Começou em Seatle, passou por Quebec , Génova...mantem-se anualmente em Porto Alegre e aqui não só para protestar os excessos do neoliberalismo global mas para , de forma construtiva e de espírito positivo , propor um quadro teórico e prático que permita encarar uma mundialização de novo tipo e afirmar que é possível um outro mundo, menos desumano e mais solitário.

Para percebermos a “economia virtual” basta verificar certos aspectos:

a)-diáriamente, cerca de dois mil milhões de Euros têm feito múltiplas idas e vindas, na especulação sobre as variações das taxas de câmbios;

b)-esta instabilidade dos câmbios sempre foi uma das causas da subida dos juros reais, que trava o consumo dos bens de primeira necessidade e os investimentos nas empresas;

c)-alargou os deficits públicos e incitou os fundos de pensões (centenas de milhares de milhões de euros) a exigir das empresas dividendos cada vez mais elevados;

d)-as primeiras vitimas desta “corrida”,ao lucro desmesurado, têm sido os assalariados, cujas dispensas em massa por conveniência das Bolsas, têm feito, até hoje, saltar nestas o valor das Acções dos seus antigos empregadores.


Teria sido urgente “apagar o fogo destes movimentos devastadores de capitais”:

-com a supressão dos paraísos fiscais (off-shores);

-com o aumento da fiscalidade sobre os rendimentos do capital;

-com a tributação das transacções financeiras.

Milhares de milhões de dólares são, “desta forma/off-shore” , subtraídos a qualquer tributação, em benefício dos poderosos e dos estabelecimentos financeiros.
Todas as grandes instituições bancárias do planeta têm sucursais nos paraísos fiscais e daí retiram grandes lucros.

A liberdade total da circulação de capitais desestabiliza a Democracia.

Seria conveniente implementar mecanismos dissuasivos, tais como a «Taxa Tobin», assim chamada pelo nome do prémio Nobel da Economia (em 1974) , o americano James Tobin. E ainda estavamos no ano da revolução dos cravos !

Tributar ,de forma módica, todas as transacções no Mercado de Capitais para os estabilizar e, simultaneamente, para encontrar receitas para a comunidade internacional.

À taxa de 0,1 % ,a Taxa Tobin conseguiria, num ano cerca de 170 mil milhões de euros. Segundo o “Rapport mondiale sur le développement Humain” esta cifra seria duas vezes mais do que o total para erradicar a extrema pobreza em cinco anos. Esse relatório fez recentemente dez anos.

Numerosos especialistas dizem que a implementação desta taxa seria tecnicamente fácil de aplicar.

O Sistema tem soluções.

Curiosamente a organização não governamental (ONG) “ action pour une taxation des transactioms financières pour l’aide aux citoyens” a “Attac”, que já conta com quase cem mil aderentes, actua como um autêntico grupo de pressão cívica para, levar aos parlamentares e aos governos de vários países, em ligação com os sindicatos, organizações culturais, sociais e ecológicas, a reclamação pela concretização efectiva deste imposto mundial de solidariedade.

Curiosamente ainda pela sua acção pedagógica e equilibrada, mas de análise crítica financeira sustentada, por todo o lado, esteve na origem (em 2001) de um dos mais audaciosos projectos de resposta intelectual e social à Globalização : o Fórum Social Mundial de Porto Alegre, já referido.

Então sempre há lugar ao optimismo?Como?

Perceber como e quando chega a ondulação...das marés vivas.

Conscientes do deficit democrático que acompanha a globalização, até defensores do modelo dominante reclamam que se reflicta, com seriedade, para se modificar, num sentido mais democrático, as normas e os procedimentos da Globalização. O próprio Sr.Alan Greenspam, por quem começámos esta trilogia de reflexão, ainda então presidente da Reserva Federal dos E.U.A. afirmava há cerca de dez anos: «As sociedades não podem triunfar quando sectores significativos consideram injusto o seu funcionamento» ( in “Humaniser l’économie” de Jean-Paul Maréchal,2000-Paris)

Perceber como e quando chega a ondulação ...das marés vivas , é ir mais longe que a simples lógica da denuncia dum estado de coisas, é ser capaz de recuperar a confiança na nossa capacidade, agir e inventar um novo discurso, formular novos desafios, novos conflitos e novas maneiras de os tratar.

(*) Acabando com comecei, mas parafraseando W. Shakespear, convirá no entanto ter em atenção:

“A loucura dos poderosos não pode passar sem vigilância”

William Shakespear “real” versus Hamlet “virtual” (Século XVII).

Manuel Duran Clemente
Almadena,25.03.08

A economia real e a economia virtual (Segundo)

A economia real e a economia virtual (2)



«Estabeleceu-se uma desconexão entre a economia financeira e a economia real. Dos cerca de 1500 mil milhões de Euros que representam [ em 2002 ] as transacções financeiras quotidianas à escala mundial só 1% é consagrado à criação de novas riquezas. O restante é de natureza especulativa.» -Ignacio Ramonet , in “Guerres du XXI siécle-Peurs e menaces nouvelles. (Intercalado e sublinhados nosso).


A citação em epígrafe vem na sequência do meu post anterior e já foi referida “en passant” no post de 7.12.07 “Uma Europa de Paz e as suas Relações com África”. No anterior escrito focalizámos a questão da anunciada e agora vivida crise económico/financeira nos EUA, assunto que já tínhamos abordado, recentemente, em comentários de posts de companheiros do nosso blogue (e como tal uns dias antes do artigo do Expresso/21 p.p. do cronista M.S.Tavares ). O blogue Avenida da Liberdade, apesar das não desejadas ausências, marcantes, de alguns dos seus prestigiados autores, ainda assim “dá-se ao luxo” de oportunas e humildes antecipações do que vai pelo mundo e afecta (afectará) Portugal e a U.E..

E é mesmo porque isto nos diz respeito que convirá estar atento.

Antes que me esqueça posso afirmar que um terço do investimento português (particulares, banca, seguradoras e Estado),ou seja, um terço dos cerca de 24 mil milhões de Dólares, dava para financiar o TGV em território nacional.

Mas continuando no tema.
Declaram alguns estudiosos que no limiar deste século o mundo é dominado por um duplo triunvirato.

No plano geopolítico e militar pelos EUA, Reino Unido e França.
No plano económico, financeiro e comercial pelos EUA, Alemanha e Japão.
Aliás, no plano geopolítico, esta espécie de executivo, que comanda o planeta, já o faz desde o final do século XIX.

No século vinte assistimos à proliferação de novos países nascidos da queda dos impérios. Mais de 150 nações se vieram juntar à cerca de meia-centena existente. Mas com excepções raras (3 ou 4),esses novos países, continuam num subdesenvolvimento e pobreza crónicos.

Ser-lhes-á cada vez mais difícil sair porque vêem os preços, das suas matérias-primas, cair inexoravelmente.

Os países desenvolvidos ou não pagam o preço justo ou reduzem substancialmente o uso de numerosos produtos de base quando não os substituem por produtos sintéticos.

A “massa cinzenta”, o saber, a informação, a pesquisa, a capacidade de inovação, será a nova riqueza das nações e já não a produção de matérias-primas. O peso daquelas, das componentes da base da nova riqueza, terá agora outra relevância, superior a do peso que antes tiveram estas.

Afirmam muitos investigadores destas questões que (nesta, considerada, era pós-industrial) a dimensão do território, a importância demográfica e a abundância de matérias-primas já não constituirão trunfos significativos e até, podem mesmo, tornar-se desvantagens.
Estados demasiado grandes, com muitos habitantes e muito ricos em matérias primas-Rússia, Índia, China, Brasil, Nigéria, Indonésia, Paquistão, México-estão entre os mais pobres do planeta. Não nos iludamos com os esforços da China, Índia ou Brasil onde significativos progressos não chegam para esconder generalizada pobreza. E a excepção EUA confirma a regra …
Em contrapartida, nesta época da globalização financeira, micro-Estados sem praticamente território nenhum, pouca população e “zero” em matérias-primas- Luxemburgo, Mónaco, Liechtenstein, Ilhas Caimão, Singapura, Gibraltar- têm alguns dos rendimentos per capita mais elevados do mundo !
E mesmo noutros relativamente pequenos o esforço feito nos “novos saberes” e nos “novos meios” apresentam níveis de taxas de crescimento deslumbrantes.

Se a máquina a vapor, no final do século XVIII, provocou a revolução industrial, mudou a face do mundo, impulsionou o capitalismo, a proletarização e as reacções sociais/socialismo, expansão do colonialismo, etc. etc. é verdade que o computador nos trouxe a globalização. A partir de meados da década de noventa, do século passado, as auto-estradas da comunicação, as tecnologias das redes virtuais e a “internet” ,são os meios, nos quais, o neo-capitalismo tudo apostou para um crescimento vertiginoso.

A este febre especulativa que atingiu um dos seus pontos culminantes em 1999-2000 foi chamada “a nova economia”.

A grande batalha económica do futuro iria ser o confronto a travar entre as empresas americanas, europeias e japonesas pelo controlo das redes e pelo domínio do mercado das imagens, dos dados, dos sons, das consolas , dos conteúdos. Mas também , e sobretudo, pela imposição no sector em desenvolvimento exponencial do mercado electrónico.

A “internet” transforma-se numa vasta galeria comercial.

O comércio electrónico atingiu os 40 mil milhões de Euros ( =Dólares) em 2000, passou pelos 80 mil milhões de Euros em 2005 e é estimado em quase 200 mil milhões no ano 2010(mais de 300 mil milhões de Dólares ,ao actual câmbio).
O “boom tecnológico” fez com que acções disparassem em muitas empresas cem vezes e noutras quase mil. É exemplo destas a American On Line (AOL).
Mas este “boom” teve um grave revés em 2000.O índice Nasdaq que previa um ganho de 86,5 % para estas acções em 1999 teve um colapso. No ano seguinte afundou, por todo o mundo, a maior parte das acções tecnológicas e de telecomunicações.

Mesmo durante o “boom” ,nos EUA, as desigualdades continuaram a crescer e no início do “crash” atingiram-se níveis de depressão que fizeram anunciar, como agora em 2008, o espectro de 1929. Com o aviso de que só 25% das empresas da “economia-net” sobreviriam o reajustamento prevaleceu e com eles o bom senso evitou ,tal como nas revoluções, que nesta revolução económica os seus filhos fossem devorados.

Mas não foi devorada a Globalização.

Debelada a crise esta veio para ficar e a “economia real” passou a ser uma miragem ao pé da “economia virtual”

(Continua)
Manuel Duran Clemente
Almadena 23.03.08

A ECONOMIA REAL E A ECONOMIA VIRTUAL (Primeiro)

Economia real e economia virtual (1)

"A loucura dos poderosos não pode passar sem vigilância"-Hamlet (*)



As noticias vindas a público nos ultimos tempos e curiosamente na "semana santa" vêm dar razão aos que nos ultimos anos alertam para a problemática da economia real e da economia virtual e dos que "teimosamente" insistem em que se cava maior o fosso entre os mais pobres e os mais ricos...Quando aqueles um dia, na generalidade, forem a classe média pode acontecer que a "burguesia" falida,acorde e pense que o seu comodismo era suicidário, se revolte e qualquer coisa parecida com a Revolução Francesa aconteça!Como já tudo é global, não teremos "este tsunami" a nivel dum país, ele extravazará fronteiras.Como já acontece com a "ondulação" das marés vivas!

Falámos aqui n,a força do Mercado e do Ultraliberalismo Global, há uns tempos,falámos da força de economia virtual que se soprepôs à economia real,citámos investigadores e especialistas do ramo...

Pois, aí temos,caros leitores,agora é o ex-presidente da Reserva Federal USA,Mr.Greenspan,que vem cinicamente avisar que que vem aí a maior recessão económica dos últimos sessenta anos.Diz o insuspeito cronista M.S.Tavares (Expresso/21 p.p.) que é pena não tenha feito o aviso quando do alto do seu pedestal de controlo e influência «assistiu tranquilamente ao crescimento da bolha imobiliária»(....)«à ganância de banqueiros de vão de escada(escudados em bancos mais poderosos e supostamente mais responsáveis),incentivando os consumidores a recorrerem ao crédito e assim manterem os preços especulativos do [mercado] imobiliário.»(...)«E quando assistiu também,sem uma palavra aos esforços perseverantes do Sr.Bush para derreter os excedentes orçamentais herdados de Clinton e voltar a endividar o Estados Unidos até ao tutano,para melhor satisfazer a sua clientela de amigos e correligionários com interesses no petróleo,na indústria de armamento ou na "reconstrução civil de Iraque"»(Intercalados e sublinhados nossos).

Com o Dólar em queda livre os esforços feitos em todo o mundo vão,efectivamente, esbarrar com a concorrência desleal dos produtos americanos.

Vai acontecer em Portugal onde as empresas que se inovaram e se reconverteram,contribindo para o célebre equilibrio do deficit,se confrontarão com o obstáculo supra citado.

Vai acontecer na Europa em geral e, em particular, com as empresas cujos "chifres d'affaires" se construiam na base das exportações para um mercado consumidor, de peso, como era o dos USA e para onde agora, com o euro a 1,64 dólares, não se consegue vender nada.

Os esforços das emergentes potências,apesar das correctas críticas ao abuso, da quase escravidão a que sujeitam a sua mão de obra,para que no entanto milhões de chineses,indianos e outros cidadãos do terceiro mundo,saiam da miséria de que procuravam sair...esses esforços esmagam-se em trágicos revezes.

Voltando a citar S.Tavares «Milhares de pessoas em todo o mundo vão ser devolvidas à mais infame miséria de que se tinham conseguido erguer para pagar as aventuras da Halliburton,do sr.Dick Cheney,do sr.Donald Rumsfeldt e dos amigos do Texas desse completo cretino que é o Presidente dos E.U.A.

Mas mesmo nos Estados Unidos,e como seria de esperar,são os pobres que vão pagar a factura do desgoverno dos milionários:vinte ou trinta milhões de americanos estão condenados a virar "homeless"[sem abrigo] a curto prazo...»

Mas dada a globalização, será possivel aos E.U.A evitar a falência completa do seu sistema,através das trocas comerciais,vendendo ao mundo inteiro mais barato e não comprando nada.

Querem os cidadãos-o cidadão comum- que os seus impostos gerem um "melhor Estado"e "menos Estado".Queixam-se, com razão, que mais de metade do que ganham, se esvai em impostos directos e indirectos!

Em contrapartida, em certos casos, como é o nosso,o Estado não parece pessoa de bem.Trata mal quem mais lhe dá.Permite que os que mais proveitos auferem -especuladores que nada acrescentam e movimentando-se com mestria na economia virtual- não paguem impostos...

São os que se servem dos "off-shores" para fugirem ao fisco...

São os concorrentes desleais dos que contribuam para o desenvolvimento e respectiva criação de riqueza no seu país.Os que pagarão todos os encargos fiscais.

Poderão dizer:desculpa esfarrapada,de que lhes serve pagar impostos se o Estado gere mal.
«Era o que faltava!»,isso diremos nós.

Porque independentemente de Politicas e da Gestão,de cada uma delas,"não se fazem omeletes sem ovos"e não são os ricos que vão para a bicha dos hospitais,têm os sobressaltos da crise escolar,dificuldades na habitação e "secura desértica" no emprego dos seus filhos e de tantos e tantos outros constrangimentos.

Não são os "ricos da economia real" ou os que destes se juntam aos "ricos da especulação financeira e da economia virtual" que se queixam das carências.Uns desejariam ganhar mais,pagando menos impostos.Outros desejariam não ser conhecidos.Os primeiros ainda podem entender-se se repartirem melhor,uma parte, ou se a aplicarem num desenvolvimento sucessivo.E chega de ganância(que voltou a ser pecado mortal)!!!

Porque sem essa consciência cívica (em geral) cai-se num ciclo vicioso onde em "casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão."

Mas altamente inquietante é a noticia de que o próprio Estado português investe milhões de Dólares em "off-shores" onde nos últimos dez anos o investimento teria tido um aumento de dez vezes mais, isto é , de 2,2 mil milhões de Dólares (em 1997) para 23 mil milhões (em 2006).Particulares e Seguradoras,com parcelas próximas,respectivamente, cerca de 9 mil e cerca de 8 mil milhões.A Banca a seguir(com cerca de 5 mil milhões) e o próprio Estado também com cerca de 240 milhões de Dólares.

Espera-se um esclarecimento para breve do nosso Ministério das Finanças e também de que seja um facto de que a maioria dos particulares,não sejam portugueses(?),o que contraria as estatísticas do "Coordinated Portfolio Investment Survey".

Nada de pessimismos? Como?

Com estes sistemas dentro do Sistema e a servirem o Sistema e em circuito fechado...só quando a ondulação for forte e com vários metros de altura.

(continua)
Manuel Duran Clemente
Almadena, 22.03.08

DOCUMENTO DE CONTESTAÇÃO APRESENTADO á Hierarquia Militar em 1973

Excelência

MANUEL ANTÓNIO DURAN DOS SANTOS CLEMENTE, capitão do Serviço de Administração Militar ( 50474411 ) em serviço na Direcção do Serviço de Fortificações e Obras Militares e na Corporação das Indústrias, ao abrigo do Artº 12º do Estatuto do Oficial do Exército, requere a Vª Exª passagem ao Quadro Complemento do Exército, pelos motivos que passa a expor:

O requerente foi aluno do Instituto Técnico Militar dos Pupilos do Exército, onde completou o Curso Geral dos Liceus e ainda o curso técnico/bacharel de Contabilidade, tendo sido sempre o primeiro classificado nos mesmos.
O requerente foi aluno da Academia Militar onde completou, após tirocínio na EPAM, o curso de Administração Militar, como primeiro classificado.
Uma análise concreta e exaustiva do que tem sido a sua vida – constante evolução de formação pessoal e consequente modificação dum estado consciente do que o rodeia – o signatário, considerando que toda a forma de consciência é uma reacção a um estilo ou conhecimento de vida anterior e uma assimilação de realidades novas, admite ter sido sujeito, até ao momento, a três distintas fases de consciência. (*)

É sobre elas que tece as seguintes considerações:


(*)

1ª fase: Primeira Consciência – o condicionamento do processo reflexivo do conhecimento

2ª fase: Segunda Consciência – a flutuação do condicionamento do processo reflexivo do conhecimento

3ª fase: Terceira Consciência – o conhecimento reflectido


I. Primeira Consciência – condicionamento do processo reflexivo do conhecimento.

Oito anos de vida interna duma escola que integra um ensino secundário tradicional num ambiente inteiramente militar ( no caso presente, desde os onze aos dezanove anos de idade ), correspondem sensivelmente à passagem por esta fase. Por circunstâncias havidas nas ocasiões próprias como muito positivas – bom aluno, comportamento exemplar, prémio de honra, medalha de ouro, comandante do batalhão escolar, etc. – foi o requerente submetido, para além do que já era condução normal, a um tipo de heteronomia ( fase da educação em que o educando ainda é incapaz de se governar a si próprio ) especial, que inevitavelmente o levaram ao ingresso na Academia Militar. Este processo insere-se num sistema de formação da personalidade do educando, visando um objectivo. Este objectivo surge, assim, na consciência do indivíduo como o objectivo mais centrado, mais focalizado, mais conhecido, mais familiar, menos inseguro. E surge exactamente na idade ( adolescência ) em que o “ o adolescente sente o seu desequilíbrio intelectual, afectivo, social e anseia pelo equilíbrio: procura firmeza e coerência; sente o encantamento dos grandes ideais, o exemplo das personalidades fortes. Nenhuma idade da vida apresenta mais promessas e mais ameaças nem um tão abundante e espontâneo desabrochar de energias formativas e de tendências desagregadoras. “ ( Mauro Laeng – Pedagogo italiano ).

Aos dezanove anos uma pessoa a quem vestiram uma farda desde os seus onze anos, que obtém ( com o maior brio pessoal de adolescente, e até foi estimulado a fazê-lo ) um conjunto de conhecimentos em que a faceta militar toma na vida proporções especiais, quase únicas, só acidentalmente esse indivíduo poderá tomar consciência duma panorâmica mais ampla do conhecimento em geral e seguir um rumo mais de acordo com as suas características e capacidades intrínsecas.


II. Segunda Consciência – flutuação do condicionamento do processo reflexivo do conhecimento.

Ao entrar na Academia Militar, ao requerente como a todos os presentes, na primeira formatura ainda trajando civilmente e de uma forma simultaneamente grave e ligeira, foram dadas vinte e quatro horas para nelas decidir se desejava ou não continuar na Academia Militar. A partir daí era o irreversível? Praticamente era. Restavam dois tipos de solução para sair da referida Academia. Dois tipos de solução de carácter violento e agressivo para com a estrutura pessoal de cada um:

a) A expulsão através dum Conselho de Disciplina após ter atingido em faltas sucessivas 40 dias de detenção ou 20 dias de prisão escolar;
b) A eliminação por falta de aproveitamento escolar em dois anos.

Pelos factores que a seguir aponta o requerente terá iniciado, pouco tempo depois da sua entrada para a Academia Militar, aquela a que designou de “ Segunda consciência “. Os factores aludidos são os seguintes:

Iº O estabelecimento de fins obrigatórios ( ou deveres ) e o enunciado de ordens ( ou imperativos ), a que se juntavam as matérias gerais ou especiais de carácter universal, ligados ao nível do conhecimento militar processa-se na Academia Militar ao tempo do requerente ( I96I a I964 ), duma forma muito menos densa e intensiva relativamente ao que se passa numa escola militar de ensino secundário interno. Há um desagregar de conceitos e de limites no contacto e vivência diária com a nova estrutura circunstante à pessoa. Jovens que vieram do liceu, jovens que vieram de colégios particulares, jovens que vieram dum “ mundo “ mais amplo do que aquele em que viveu o requerente, passam a ser seus companheiros no dia a dia e com estes os professores que desfilam perante a aguda observação da juventude que os vê satisfazerem uma rotina, e com estes também os oficiais-instrutores, cuja maioria se esforça para não deixar que se veja neles uma mal contida frustração. Todos eles faziam parte da estrutura acima referida e diminuem muito a chama acesa pela instabilidade da adolescência e pelo ambiente condicionadíssimo duma escola interna militar de ensino médio e secundário.
2º A avidez do conhecimento mais directo do mundo levou o requerente a iniciar um processo de assimilação desse mesmo mundo que praticamente desconhecia ou conhecia através dum prisma deformador do mesmo. Essa assimilação surge substituindo o que até aí era acomodação. O regime semi-interno da Academia Militar permitia o acelerar da substituição ( do conformismo ) da adaptação pela ( luta e inconformismo ) da assimilação, isto é, da adequação da inteligência às coisas como a verdade de cada um e a da certeza de que o que é o conhecido só poderá ser conhecido á maneira daquele que é sujeito a esse conhecimento. ( Faculdade cognoscitiva ).

Em presença de tais factores o requerente passados cerca de oito meses dá conta dos condicionamentos anteriores porque o fizeram passar e tem presente ( duma forma ainda débil ) o irreconciliável da estrutura para onde caminha com a estrutura da sua pessoal verdade, isto é, não ratifica como conformes com a sua própria natureza racional os princípios e normas sobrevalorizados na sua adolescência.

E isto é perfeitamente normal. O requerente sente encaminhar-se para a independência pessoal de indivíduo responsável ( adulto ) para atingir a sua autonomia considerada por muitos autores como a última etapa do processo, cujas fases precedentes são na infância a ausência de lei ( anomia ) e na adolescência a legislação proveniente do exterior da pessoa para governo de si própria ( heteronomia ). É claro que a autonomia é uma aquisição gradual com vários níveis de desenvolvimento e tanto mais lenta e gradual quanto mais sensível a formas anteriores for esse indivíduo. Nos diferentes níveis de desenvolvimento dessa autonomia vão aparecendo vários tipos de autonomia: autonomia sensório-motora ( andar ); autonomia expressiva ( linguagem ); autonomia ética ( liberdade moral, segundo princípios universais transformáveis ).

Assim, face à impossibilidade de sair da Academia Militar duma forma harmoniosa, facto que se abstém de classificar, o requerente vê-se obrigado a optar por uma das duas soluções de carácter violento. Na expectativa duma expulsão ausentou-se por alguns dias. Encontrado por seu pai, cerca de seis dias depois, é conduzido por este à anterior situação. Nesta situação o requerente apresenta longa exposição que é queimada à sua frente.

Considerada a sua “ imaturidade militar “ (!), acrescentadas, à justificação da sua ausência, apreciações subjectivas por parte dos seus superiores ( em que a atitude do requerente é tida como fruto de “ desvairamento de ordem passional “ ) este nem teve tempo, envolvido num clima de vertiginosa recuperação heterónoma, de se aperceber que não era a sua nova consciência e a sua ( débil ainda ) autonomia, que estavam a ser analisadas. Era sim a imagem, reflexo de uma outra pessoa, que oito anos de adolescência vividos num “ mundo especial “ tinham construído. Construção essa que parecia prometer passada a “ crise “, portanto, considerada momentânea, a fabricação de mais um prometedor Oficial do Exército.

A debilidade da autonomia a que não era alheia a resistência duma educação anterior manifesta-se. O espectro da autoridade de grau constante durante a adolescência impõe-se e marca profundamente a reacção do requerente à pressão a que é sujeito após a sua falhada tentativa de saída da Academia Militar.

Autoridade que deveria modificar-se com, o crescer em idade, discernimento e responsabilidade do educando que se emanciparia a pouco e pouco da tutela do educador com o fim deste, bem preciso, de lhe facilitar e não lhe impedir a obtenção da maturidade. “ Autoridade educativa, como diz Laberthonnière, que não é escravizadora mas libertadora “. Autoridade educativa que apoia e reforça o processo através do qual o educando se conquista a si próprio, fomentando a auto-consciência e o auto-governo. Autoridade educativa que atinge o seu fim tanto melhor quanto melhor conseguir a persuasão, a concordância, a colaboração do próprio educando, de maneira a promover nele, com uma gradual transferência de responsabilidade nas formas de auto-educação e de auto-governo, a obtenção da autonomia e da liberdade próprias do adulto. “ O próprio adulto permanece, porém, sujeito às autoridades naturais e às autoridades legitimamente construídas ( para cuja formação, de resto, ele pode contribuir de modo directo ou indirecto ). O abuso da autoridade ou despotismo, leva à sua esclerose e inflexibilidade lançando as premissas da sua própria destruição “ ( Lessico Pedagógico – M.L. ).

A influência duma autoridade exacerbada controla no requerente a evolução da sua autonomia e manifesta-se nos seguintes exemplos:
I) Abulia, por estado depressivo, a que corresponde ausência de reacção às novas forças exteriores colocadas perante a sua vontade;
2º) Atraso do processo de “ assimilação “ da sua verdade pelo regresso à “ acomodação “ anterior, a que novas facetas, escolares e extra-escolares, o conduzem atordoando-o e desviando-o das suas verdadeiras preocupações.

Essas facetas resumem-se como se segue:

a) O requerente relativamente à sua falta de natureza disciplinar ( ausência ilegítima ) é castigado apenas com 15 ( quinze ) dias de prisão escolar, ficando ( surpreendentemente ) aquém dos ( pretendidos ) 20 ( vinte ) dias para ser expulso. O requerente tem consciência de que a sua falta era normalmente punida com muito mais do que vinte dias de prisão escolar. Para o efeito ( expulsão ) terá actuado ( causa ) conforme actuou. Também aqui a inobservância do normal efeito devido a uma normal causa procede para com o ser actuante ( o requerente ) como linha de força exterior à sua vontade, tal como o motivo ( obrigatoriedade rígida de continuação na Academia Militar ) e reforçam a referida “ acomodação “.
b) O requerente passados dois meses, apesar das atribulações, novamente motivado por um aparente prestígio pessoal, consegue aproveitamento escolar e passa o primeiro ano. Cimenta-se a “ acomodação “.
c) Simultaneamente, ao sucesso escolar, o requerente é convidado a tomar parte nos “ II Colóquios Culturais entre as Academias Militares Espanhola e Portuguesa “ em que o requerente, passados quatro meses do ponto culminante da sua “ Segunda consciência “, vê o seu trabalho literário ser o primeiro classificado, e, após comparticipação destacada nas intervenções dos mesmos colóquios em Saragoça, receber por escrito o louvor que a seguir transcreve:
“ Louvado por Sua Exa. o General Comandante da A.M., porque tendo tomado parte no Concurso aberto na Academia para elaboração das duas teses e apresentar pelos seus alunos no II Colóquio com a Academia General de Saragoça, obteve a melhor classificação no trabalho que apresentou em uma delas, com o título: “ Camões: o homem, a sua época e a obra “. Neste trabalho o Cadete-aluno Santos Clemente manifestou, além, de viva inteligência, uma capacidade de investigação, um poder apreciável de análise e síntese e marcada elegância na redacção que são tanto mais de realçar quanto é certo que os alunos dispuseram de tempo relativamente curto para o estudo da vasta bibliografia sobre Camões e Cervantes, e para a completa elaboração do seu trabalho, que em grande parte teve de ser realizada durante os períodos lectivos paralelamente aos trabalhos escolares. O brilho e poder de argumentação que o Cadete Santos Clemente revelou nas duas intervenções durante os debates do colóquio, constituíram outra faceta que julga dever focar, porque permite augurar-lhe futuros êxitos em actividades culturais designadamente nas de discussão e polémica e merece, por isso, uma palavra de caloroso estímulo que lhe dirige com muita satisfação. ( O.S. da A.M. nº 30 de I963 ).

Cimenta-se ainda mais a acomodação? Não. Isso acontece só aparentemente pois no subconsciente e em função do grau de consciência do conhecimento adquirido, o requerente nunca mais regressa ao ponto anterior. Por força duma situação que lhe é imposta, o requerente sente-se “ sem esperança verdadeira e sem angústia verdadeira, como se tomasse banho de algodão, seguro e confortável “ ( Alain Tanner ) mas vai gradualmente deixando vir ao de cima as bases da construção duma autonomia que assim cresce e com a qual cresce a consciencialização da sua enorme frustração.

“ Diário de 8 de Janeiro de I964 – À medida que caminho interrogo-me sobre o meu futuro. Para tanto tento observar esta plataforma onde me situo agora. Aqui estou, para muitos e para mim próprio, acabando o curso desta Academia Militar, Daqui a uns tempos, eu sei e todos sabem, poderei ser oficial do exército. É verdade!...

Sabes então o que se passa? À medida que caminho, a cada interrogação que profiro, eu obtenho sua resposta… Vou sentindo que a vida se me escapa… que vou morrendo aos pedaços, pouco a pouco, deixando de ser “ eu “. Corrói-me a própria resignação imposta, destrói-me o próprio conformismo imposto… Todo este meu lutar é de resultado supérfluo, todo ele é o construir duma armadura que me cegue, que me transforme para poder caminhar sem ver para onde, nem como. Assim, a própria atmosfera é a minha prisão. Sou como condenado arrastando pesadas grilhetas… em vão.

Só me resta agir, agir para que este “ em vão “ se torne precioso, útil.

Estes últimos anos da minha existência têm sido vividos de baixo de loucas hipóteses. Atravesso o que não é coerente comigo na esperança do “ mais tarde “. Mais tarde conseguirei? Assim, me tenho e me têm iludido também!

À medida que caminho, reparo que esse “ mais tarde “ é uma traição. Esse mais tarde só poderá existir com uma loucura, com algo a que chamem loucura; e eu nesse “ mais tarde “terei forças para lutar?

As horas que passam sobre cada um de nós, vão-nos enfraquecendo e transformando… se nos encontramos em certas atmosferas…

“ Mais tarde “arreigado a uma cómoda situação, doente duma enfermidade incurável “ eu “ já não existiria. De mim haveria o meu nome e comigo as recordações… Peça duma máquina habituada ao vai-vem do dia a dia… alcatruz da nora… sem nada construir, sem nada transportar!

Viajo triste por estas encruzilhadas.

Eu não posso ser alegre aqui… aqui suicidando-me! Sou-o por vezes quando a sensibilidade me desvia a outras paragens. Mal acaba esse desvio e caio na minha realidade volto a acrisolar-me na minha tristeza e então todos os dias me parecem sem sol, amargos e cinzentos!

Sinto-me doente… doente assim nesta amargura que é a própria cama onde hoje me deito… onde só depois de mil voltas consigo adormecer. E que há em cada destas voltas?

Um pensamento, uma tortura, uma suposta solução, o entrechoque de mil e uma coisas…

O que hoje quero já não é novidade para mim… O que hoje quero já o quis antes! Pensaram-me, então, doente. Desenharam diagnósticos a meu respeito e receitaram-me remédios…

Para eles eu vou recair. Para mim quero ressuscitar completamente.

Oxalá consiga expulsar de meu corpo os resíduos dessas falsas panaceias… que ainda me entorpecem os membros e os sentidos…!

Oxalá a minha ânsia não prolifere a minha cegueira aqui iminente. Não me interessa ser feliz, por ter tudo o que vejo, sendo cego.

Prefiro que a minha integridade não quebre mais a um reajustamento, a uma adaptação incoerente, despropositada, absurda e até desumana.

Quero a VERDADE COMO ARMA E O AMOR COMO ESCUDO… Sinceramente que mais posso procurar?

Que o futuro me traga o eco destas palavras e me encontre noutro sítio para as poder ouvir com outro tom. “
( FACTOS E FACÇÕES – livro não publicado. Autor: o requerente ).


Em face do estado de espírito que se infere da análise do que expôs anteriormente e do que esta última transcrição manifesta, o requerente no seu último ano de Academia Militar ainda iniciou, perante um muito decidido “ agora ou nunca “, nova insistência para sair daquilo que não queria. Nessa ocasião o seu projecto era reprovar dois anos seguidos. Ainda se recorda de que em todas as “ primeiras provas de frequência “ a nota mais alta que obteve foi oito valores. Ainda se recorda que a sua tentativa para reprovar numa cadeira semestral, foi em vão tentada. Ainda se recorda de que se sentiu incapaz para levar a bom termo um processo que ainda ia demorar mais dois anos, num ambiente que já não suportava naquele instante. Ainda se recorda que, perante tudo isso, desistiu confiando que futuro imediato lhe trouxesse a oportunidade de ser atendida a sua humana e legítima pretensão.

III. – Terceira consciência – o conhecimento reflectido.

Ao requerente existe, sem dúvida, dificuldade em expor o que se passa durante um período da sua vida de uns longos oito anos a que corresponde esta terceira fase, ou seja o período entra a saída da Academia Militar e o actual momento. Essa dificuldade é tanto maior quanto é certo ter sido o requerente obrigado a uma redobrada vigilância sobre si, e cuidada atenção, ao viver como que duas vidas distintas:

a) Uma , no cumprimento das exigências militares como carreira profissional, para a qual não se sente nunca vocacionado mas se sente impelido em bem servir ( por razões diversas: quase totalmente relacionadas com o brio pessoal e profissional ou com a dependência da sua catuação de bem-estar e bem-servir de terceiros: soldados, sargentos, funcionários civis e até oficiais );
b) Outra, a vivência ávida, em períodos de tempo muito mais escassos, de actividades extra-militares muito mais de acordo com a sua estrutura pessoal.

Estas duas formas de vivência sujeitas a agudas observações e sensibilidade, ampliam de forma intensiva o conhecimento fazendo desfilar pelo requerente tomadas de consciência multiformes, julgando a propósito oportuno transcrever ( com sublinhados livres ):

“ Livre cultura… A liberdade da Cultura – ou não será melhor dizer, pura e simplesmente, a LIBERDADE? – não é benesse que por suposta magnanimidade se outorgue ou se nos ateste “ post factum “ – à laia de nota de bom comportamento; é sim objecto de conquista permanente e de indefectível defesa e de ciosas vigilância de hora a hora. “ ( Medalha Goethe de Ouro, - discurso: PAULO QUINTELA )

“ O ministro da Educação acentua que “ Portugal não constitui mundo à parte “. Uma sociedade nunca pode constituir mundo à parte. Desde a sociedade familiar à freguesia, à cooperativa, à oficina, ao concelho, distrito, país e continente, nenhuma sociedade pode viver isolada, como nenhuma fonte pode verter água sem o veio que a une à madre; estamos integrados “ na Europa e num mundo em evolução cujas conquistas nos são presentes nas nossas casas todos os dias”. Já citámos estas palavras do ministro e vamos repeti-las. Estaremos tanto mais presentes, e actualizados quanto mais em comunicação com os outros e seremos tanto mais respeitados quanto mais respeitemos o pensamento e a maneira de ser dos outros. Por não ser um mundo à parte é que uma sociedade é núcleo sempre em evolução e de geração para geração, mudam, desaparecem os homens, mudam as famílias, novos contactos e novas fronteiras se firmam para as províncias e para as nações. As quezílias dos avós raras vezes são as más vontades dos netos e as raças proscritas de hoje, são as dominadoras de amanhã. Uma sociedade constrói-se, mas não pode cristalizar, sob a pena de se condenar a si mesma. Evoluciona sempre e tanto mais quanto mais vigor tiver, quanto menos receio mostrar do caminho que pisa. Fala-se muito de blocos, de matéria firme, de barreiras intransponíveis. Quando na verdade a força de uma sociedade, o seu poder de penetração são dúcteis. Vêm do espírito. Mole é a água e rebenta rochedos, ninguém viu o pensamento e é ele que destrói todas as violências, imponderável é o amor e só por ele a espécie se continua. A sociedade que ambicionamos será o que nós quisermos que ela seja. Ma só pela força da razão e pelo entendimento humano. Tudo o mais é desperdício, condenado a ficar para trás na caminha dos povos. Cisco ou rebotalho postos à margem. Só o homem conta. “ ( Editorial: Momento. Da “ República “ de 22/3/I973 )

“ O certo é que o homem, neste intranquilo pós-guerra, quanto mais se abisma nos mistérios dos cosmos, tanto mais sente a urgente necessidade de dobrar-se sobre si mesmo, na intimidade da sua inconsciência, no sentido do eu profundo, cujo ser é o seu dever ser, onde se entrelaçam liberdade e valor, ser e dever ser, indivíduo e sociedade, existência e transcendência: só então o homem se sente na plenitude de seu ser como pessoa, valor-forte de todos os valores, a prescindir do qual não teriam sentido as mais rigorosas e verificáveis conquistas das ciências. “ ( Pluralismo e Liberdade – MIGUEL REALE )

“ A liberdade na vida social deve dar a todo o homem a possibilidade efectiva não só de satisfazer as necessidades da sua existência, mas também manifestar as suas energias criadores e realizar a sua vocação. Por outras palavras, o significado real e verdadeiro da liberdade exige da sociedade uma organização que garanta a cada homem a possibilidade material de trabalho e da criação. “
( O Cristianismo e a Luta de Classes – N. BERDIAEFF )

“ O mundo é um conjunto de processos, no qual as coisas e as suas imagens mentais, ou seja, os conceitos não estão parados mas se alternam continuamente “
( Sobre Fenerbach – F. ENGELS )

“ Não convém admitir outras causas dos fenómenos da natureza além daquelas que são verdadeiras e suficientes para os explicar “.
( NEWTON )

“ Por meu lado, estou quase em crer que não haverá um único Sábio que admita existir um único homem que cometa faltas de bom grado e que, voluntariamente, pratique acções indecorosas e más. Muito ao contrário, os Sábios não ignoram que todos os que praticam indecorosas e más acções o fazem contra sua vontade. “
( Protágoras, 345 – PLATÃO )

“ Deus não pode saber de antemão, as coisas de um modo distinto do modo por que as conhece na vontade humana. Omito o outro modo monstruoso de clamar: eu não poderei querer mais do que aquilo que por necessidade tenho de querer… A nossa vontade não seria tal se não estivesse em nosso poder o querer e o não querer. E porque isto está no nosso poder, por isso somos livres. Na verdade, não seríamos livres se não estivesse no nosso poder. Donde Deus é omnisciente em nosso poder e de nosso poder… “
( Ideário. A Evódio. SANTO AGOSTINHO )

“ O homem possui livre-arbítrio, porque sem ele seriam vãos os conselhos, exortações, preceitos, proibições, recompensas e castigos. Para demonstrá-lo até à evidência é de notar que há seres que agem sem ajuizar, como a pedra que cai, como todos os seres desprovidos de conhecimento; outros que agem ajuizando, mas sem ajuizamento livre ou seja o caso dos animais irracionais; pois a ovelha, quando vê o lobo, julga que deve fugir mas este juízo é puramente natural e não livre, porquanto não julga por comparação mas por instinto natural, igual ao de todos os animais irracionais. O homem, no entanto, age ajuizando, pois que pela sua faculdade cognoscitiva julga que deve fugir disto e procurar aquilo, e porque este juízo não é naturalmente instintivo no referente a acções particulares, mas sim racionalmente discursivo, age em liberdade de ajuizamento, podendo decidir-se entre coisas opostas, pois, no que se refere a coisas contingentes, a razão pode entre os contrários, como pode ver-se nos silogismos dialécticos e na persuasão oratória, e uma vez que as acções particulares são coisas contingentes, o julgamento da razão pode optar entre resoluções opostas, e não é obrigada a optar uma com necessária exclusão da contrária. Portanto, necessariamente, sendo o homem um ser racional é por isso mesmo livre o seu arbítrio. “
( Summa Theologia – SÃO TOMÁS DE AQUINO )

“ A FILOSOFIA não é um engodo para embair o povo, nem é própria para a ostentação; não consiste em palavras, mas sim em obras. Também não tem por objectivo passar o dia como um entretenimento aprazível, para tirar a náusea à ociosidade: ela forma e modela a alma, ordena a vida, governa os actos, mostra o que se deve fazer e o que se deve omitir, está sentada ao timão para dirigir a rota entre as dúvidas e as flutuações da vida. Sem ela, ninguém pode viver isento de temores; ninguém pode viver com segurança, em cada hora acontecem inúmeros acidentes que reclamam um conselho que, só a ela, se deve pedir”… “ Sustém-no e afirma-o para que aquilo que é o ímpeto da tua alma chegue a ser o hábito da tua alma. “ ( Carta VXI a Lucílio – SÉNECA )


Que pretende significar o requerente com as transcrições que acaba de fazer e com as que faz em anexo? Demagogia? Diletantismo? Adesão a todas as ideias-força que fez desfilar com pretendida exaustão?

O requerente pretende significar o abismo existente entre o conhecimento limitado por condicionamentos já referidos e um conhecimento avidamente apreendido, analisado e interiorizado ao longo dos anos da passagem pela vida; preocupado por ter desta uma consciência evolutiva, séria, autêntica, honesta… libertando dia após dia os condicionamentos anteriores do processo reflexivo do conhecimento em geral. Conhecidas que são já as bases ( tão frágeis e tão impostas ) duma carreira profissional iniciada sob o signo da violentação da verdadeira estrutura da pessoa que lhe trouxe esse conhecimento mais vasto, mais disperso e reflectido? Vejam-se algumas transcrições do requerente do seu livro não publicado: CÍRCULOS E CICLOS.

“ … a intensidade, a força e a profundidade que tu viveste, uma enorme quantidade de acontecimentos de toda a ordem, alguns até seriamente traumatizantes, que por si só ou transformam as pessoas ou aceleram tremendamente a sua evolução. “

“ Eu sei que tudo isto está claro para ti. E sei que apesar da claridade com que o vês, e por cima da consideração que deves a terceiros e antes mesmo de analisares em qualquer momento as possibilidades de sair do impasse em que te encontras, tu te interrogas a ti mesmo sobre se estás equivocado, se a razão não estará do outro lado, se não és tu o que está falhando… Eu julgo que tens razão e que tudo está certo em ti. Refiro-me ao fundamental neste problema. Logo, é a partir daqui que tens que analisar a situação, sem perder mais energias interiores em interrogações que quando são muito insistentes levam realmente a um estado de auto-sugestão em cadeia nada construtivo e até um pouco doentio psicologicamente. “

“ … Pergunto-te: queres actuar cerceada desta forma a tua liberdade? A partir de um ponto determinado serás incapaz e já não é só culpa tua? Será incapaz de agir e de funcionar como o tens feito no desenvolvimento duma actividade em que tens dado o melhor de ti próprio? Serás incapaz de discernir e de assumir responsabilidades, de cumprir o que é imposto? Em suma os excessos ( do exterior para ti e de ti para o exterior ) sobre as tuas funções fisiológicas e psicológicas terão decidido antes de ti? Criaram eles a estrutura da libertação do condicionamento dum processo? “

“ De análise em análise é oportuno perguntar, ainda: foram certas atitudes do exterior que adoeceram certos homens ou foi a reacção a essas atitudes que lhes deu a saúde suficiente para enfrentar esse exterior? “

“ Há o concreto da coisa que é imposta. É imposto fazer ou ser isto. É vedado em dada ocasião deixar de fazer ou de o ser. Não se impõe ignorância. Nenhum regulamento impõe desconhecimento, nem impões a construção do conhecimento. Nem impõe qual o conhecimento. É impossível. Pode estar regulamentado o conhecimento útil mas carecerá sempre o regulamento de ratificação subjectiva. E depois, bem assim que dizer da honestidade e da verdade defendidas? Se o desconhecido de ontem bate hoje à porta dum conhecimento que se abre a outra verdade… que dizer da honestidade que passa serena e incorrupta? Obrigar o utente desta a fugir, a exilar-se longe onde não estorve?! Onde está o cidadão do mundo? Porque o deixaram nascer? Há que destrui-lo? Destrui-lo longe ou perto? “ “ E existem tantas formas de destruição e de agressão… umas claras; outras espectaculares – muito condenadas nos meios de divulgação pública – outras, essas, silenciosas. A maior parte das vezes as pessoas desconhecem estas e quando chegam ao conhecimento público o bem comum é escudo que cobre muito egoísmo, muita desonestidade mental, muita incompetência, desde logo muita destruição e muita agressão e não raras vezes os agredidos são os provocadores. Pode ser uma questão de escala que só consente uma medida ou de prisma só com um lado; e o absurdo fecha-se sobre si próprio com um ousado e descarado ciclo vicioso. “

“ E depois há os casos dos indivíduos inertes, psicologicamente acabados para o exercício de funções que deixaram de ser capazes de executar e que não dão conta disso antes de chegar ao tal ponto de irreversibilidade do conhecido posterior para o desconhecido anterior. Chegados a esse ponto jamais serão, voluntariamente, homens inertes e psicologicamente acabados ( só aparentemente ) e a sua luta processa-se no mesmo terreno dos incoerentes e demagogos, dos que possuem quase todos os outros meios que desequilibram no conserto dos homens o equilíbrio a que só o pensamento e as ideias constroem. “

“ Cá estou em Paris.
Descobri o adjectivo para determinado estado de alma: é PARIS. Assim, dar-me-á mais sentido de verdade dizer que mulher tão paris, ou que homem tão paris, ou mesmo referir que ambiente tão paris…
Parisiemos as coisas se estas nos tocam como ou através deste Paris ( verdadeiramente tão complicado de exprimir e complexo tão difícil de saber – ser – totalmente ).
E até por isso fascinante. Delicioso. Pareço embriagado se existir pouca atenção sobre mim. Não de vinho; mas da alma, sim. Consegui conjugar em certo belo no humano ( sempre a perseguir-me ) é bom, ou melhor, é algo a que os vulgares adjectivos tiram significado e não mostram a sua força. É neste momento; é neste instante ( longo naco da eternidade ) PARIS… é, é de facto ( fechando o ciclo ) o adjectivo que me satisfaz, que me chega.
Comecei estas palavras pensando em vós, estrutura onde me adenso. Sois para mim maior absurdo. O de não ter conseguido sintonizar-vos; sentir nessa sintonização a FORÇA e COMUNHÃO DE VIDA-VIVA. Também em ti pensei, meu caro capitão. No que me pareces significar para mim próprio: centro – força – pessoa – personalidade, de mim mesmo. Lembrei-me. Escrevi. Tu ficaste lá. Aí está a perspectiva duma distância reduzida que me satisfaz saber como dimensão linear: a que se separa de dois olhares da mesma pessoa e neles dois estados de espírito. “

“ Meu querido filho. Há no teu olhar a verdade do mundo.
O que o mundo é não sei nem amanhã saberei.
Se não ousasse ter um ponto de apoio onde fixe meus pensamentos ( que este corpo alimenta ) nada existiria que me merecesse respeito…
Mas tenho-te.
Tenho no teu olhar a verdade do mundo. E não sei como ela é. Sinto-a com o teu olhar. Cheia de amor. Cheia de ternura. Cheia de uma paz que não sou capaz de ver em mais ninguém. Sinto-a, na sua fragilidade doce e funda. Tanto e tão funda que também ninguém lá chega. Todos clamam por ela, mas são demasiado conscientes e a sua voz perde-se num vendaval de cuidados. Mas tu não. Tu, até EXISTES, e no bulício de hoje que abraças com teu “ ser “ está todo o sentido duma manhã cheia…
… cheia de irrequietude.
… cheia de irreflexões.
… cheia de vazios, a preencher logo a seguir.
… cheia dum sol que não queima.
… cheia de uma tempestade-bonança.
… cheia de FORÇA… duma força que transborda e chega até mim.
Pai… “

“ Minha frágil pequenina. És a igreja da minha aldeia. Nela vão rezar os fiéis do meu pensamento, deste substrato homem-divino que todos somos. Já o és também, minha pequenina flor, quase botão de ontem, o outro sol que amanhã virá… És toda a minha certeza dominada pela paisagem doce de uma vivacidade que extasia – desafio imparável de elementos, imperscrutáveis, superiores, transcendentes, sobre-humanos. Mas já és! E desse dom em que te vestes linda, queria eu vestir o mundo que te espera. Basta querê-lo eu sei. Mas mesmo que não aconteça, se o mundo te receber nu, não perdoará a fraqueza duma coexistência incoerente do amor que trazes com aquele que te acompanhará de nós, dos outros. E vamos nessa ocasião ser perspicazes, profundos, e com humildade vestir o mundo nu com o AMOR que nos vais trazer. Então venceremos e o teu exemplo dará frutos sãos. Contigo seremos mais… mais dois olhos onde há a verdade do mundo. “

“ Deitado sobre esta areia semeada de pedras roliças à beira do rio Sor que passa tranquilo a caminho de jusante, passo eu a caminho do amanhã… A dinâmica não é diferente. Só o estado de espírito – aquela tranquilidade – esse, sim, é bem o que separa duas condições: a de rio e a de homem; já dizia Fernando Pessoa: « se as pedras tivessem alma, eram coisas vivas, não eram pedras; e se os rios tivessem êxtases ao luar, os rios seriam homens doentes » “.

Não há geito de diário que baste para condensar, utilizando estas tão estafadas palavras, aquilo que passa por cada um de nós em determinados momentos da vida. Mas que importa tal insuficiência?! Há um objectivo: desabafar. Escrevendo-me sinto-me sossegar. O que está em mim a transbordar fica no papel e fico mais eu à minha medida. Não sou capacidade saturada. Sou uns quantos litros de VIDA comportáveis em mim, que me equilibram para o momento que vem a seguir e no qual preciso de me inserir em plenitude equilibrada comigo próprio e não em plenitude demasiado mística equilibrada com outro ser – o Deus talvez – do qual só sou, ou serei, sua imagem e semelhança.

Sinto-me bem. Há uma estranha certeza que nada tem que ver com a certeza-pessoa. É a certeza-vida que tem a ver comigo e com todos e com tudo o que a minha RAZÃO vê e abarca. E certeza, porquê? Porque ( para além das soluções e do provir ) me sinto vivo e vivo com uma dinâmica e vivacidade que pode suportar o bom e o mau das soluções. Um bom e um mau cada vez mais ilusórios. Aparentes, circunstanciais. Que pode suportar a vida em desafio constante, prenhe de sabores e sensações de vitória ou de derrota. E no fundo o que conta é que não acabemos nós; não acabemos nós próprios nessa vitória ou nessa derrota. O que interessa é saber continuar. Ter a certeza-vida para receber esse sol que todos os dias sobe o muro, quem sabe se com tamanha dificuldade!? É que pode acontecer que um dia essa dificuldade se torne inultrapassável e ele deixe de ter força para a escalada. Ou então o muro cresça, cresça, cresça… e se faça aquela escuridão apocalíptica!

É urgente agarrarmo-nos à VIDA, termos a certeza dela, e conjugar nessa atitude o mais sublime acto de verdade que floresce vida, que brota vida: existir em plenitude com a dimensão onde cabe cada um de nós. Por isso é bom, mesmo certos da vida, sentirmo-nos pequeninos para podermos ver sem esforço as paredes da estrutura dessa nossa dimensão – qual cromossoma dum ser limitado com a marca do infinito. E assim pequenino estou não para ganhar, não para perder mas sim para CONTINUAR, ganhando ou perdendo na circunstância, mas não ganhando ou perdendo a VIDA, continuando-a, sem alienação… “

“ Em dadas ocasiões a melhor consciência que se faça da vida é pesada penitência. Outras ocasiões há em que essa consciência é bem fogueira a aquecer-nos e chama a conduzir-nos com serenidade; com uma maravilhosa serenidade. E a VIDA-VIVA, círculo permanente, constante alteração da consciência que temos do que está dentro e fora de nós, longe e perto. O resistir-lhe com muito respeito e com lúcida noção do que somos interioriza a RAZÃO, adequando-a à medida de nós próprios, em todas as situações: no caminhar, no ser, no construir, no amar… e no reconstruir. “

( CIRCULOS e CICLOS. Livro não publicado. Autor: o requerente ).

Que lhe trouxe o conhecimento mais vasto, mais disperso e reflectido?

Com esse conhecimento e tendo no desempenho da sua carreira profissional militar desenvolvido o melhor das suas possibilidades ( em anexo nota sumária das suas funções militares, louvores e condecorações ) mesmo condicionadas à sua frustração e angústia diárias, o requerente sente-se extraordinariamente enfraquecido por esse esforço desenvolvido. Defrontou dentro de si próprio incompatibilidades estruturais de vária ordem, conforme expõe, sem deixar que essa luta interior transpirasse. Esse esforço teve efectivamente o seu preço, como é perfeitamente concebível. O exercício subjectivo de estimular, por muito mais tempo, todo o seu contexto psico-somático para prosseguir, ( contendo em si, o mínimo de condições exigíveis por si próprio, para realizar as funções de Oficial do Exército ) estava efectivamente a chegar ao fim. Como uma das últimas etapas o requerente submeteu-se a tratamento psicanalítico ( Dr. MÁRIO AFONSO MADEIRA – Avenida S. Dumond, 48 – 8º - Lisboa ) durante alguns meses, na séria intenção de procurar auxílio e esclarecimento, como imperativo da sua designada “ terceira consciência “, no que sentia desvanecer-se ou revigorar-se. Este tratamento mais revigorou ainda o seu estado de espírito.

Houve contudo quase um ano de meditação sistemática e hoje perfeitamente situado e livre das pressões de qualquer ordem, pouco lhe importa já a classificação em que integrem esse estado de espírito. Certo de que a exaustão continuada o conduzirá a agravamento psicológico irreversível, e, de que a situação é demasiado penosa para que lhe importassem classificações. Nas palavras por rotineiras, se perde quase sempre, por maior eloquência ou sinceridade, o grave do que elas exprimem; enquanto por dentro de cada pessoa, nestas circunstâncias, um vendaval de preocupações se agrava em tempestade ou se dilui em abulia apática.

Assim, o requerente, não deseja sobre si nem mais nem menos atenção, deseja apenas a justa, e nesta, longe de pretender aferir a justiça alheia, pede a universalidade do espírito e o direito do respeito humano individual, pelo que, respeitosamente.

PEDE DEFERIMENTO

Lisboa, I de Abril de 1973


Anexos: - Transcrições referidas na folha I0;
- Nota de funções, louvores e condecorações.








Anexo A – Complemento das transcrições referidas na folha I0.
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“ As frases gerais preliminares com as quais se julga sobre o bem e o mal, sem tomar em conta as causas que originaram um determinado fenómeno constituem ditames abstractos, gerais e insatisfatórios. Não existe uma realidade abstracta: a realidade é sempre concreta. “
( Ensaios – N. G. CHERNISCHEVSKI )
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“ O pensamento enquanto actividade da razão apoia-se em definições categóricas que se excluem umas às outras. Estas abstracções limitadas apresentam-se como solidamente existentes.
Assim por exemplo ao estudar a natureza distinguem-se várias substâncias, forças, espécies, etc. e consideram-se como se elas estivessem isoladas. O triunfo posterior da ciência consiste em passar do ponto de vista do juízo para o ponto de vista da razão, estudando cada um destes fenómenos – que o juízo recompõe como partes separadas por um abismo de todas as outras – no processo da sua passagem a outro fenómeno no processo da sua aparição e aniquilamento. “
( Obras, tomo I, I930, HEGEL )
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“ Experimentemos evidentemente que está entregue ao nosso arbítrio fazer ou não fazer algo, para o que fazemos uso da nossa razão, do nosso discurso e deliberação, preferindo uma coisa em vez de outra: logo, encontra-se nas nossas mãos a escolha; caso contrário, como observa acertadamente S. João Damasceno, ter-nos-ia sido inutilmente dada essa faculdade de deliberar e consultar. “
( Disputationes Metaphisiace – FRANCISCO SUAREZ )
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“ Muitas considerações poderia fazer, neste momento, sobre o simples direito de votar em todos os actos de soberania, direito que ninguém pode roubar aos cidadãos; ou do direito de emitir opinião, de propor, de estabelecer, de discutir, que o governo, com todos os cuidados, só quer reconhecer aos seus membros; mas, esta matéria tão importante exigiria um tratado à parte e, por isso, não posso aqui dizer tudo. “ … “ … Há uma única lei que, por sua natureza, exige um consenso unânime: o pacto social: porque a associação civil é o mais voluntário dos actos da sociedade humana; tendo todo o homem nascido livre e senhor de si mesmo, ninguém pode, seja qual for o pretexto que apresente, escravizá-lo sem o seu consentimento. Decidir que o filho de um escravo nasce escravo é decidir que não nasce homem. “
( Contrato Social – J. J. ROUSSEAU )
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“ Uma vez que a sociedade tome posse dos meios de produção, ela não produzirá mais mercadorias; isto quer dizer que ela porá fim à forma de apropriação dos produtos em virtude da qual, como já vimos, o produto domina o produtor. A anarquia na produção social dará lugar a uma organização consciente e sistemática. A luta pela existência individual desaparecerá. Só a partir deste momento poderá dizer-se em certo sentido, que o homem saiu definitivamente do reino animal em condições realmente humanas. O conjunto das condições de existência que, até aqui, dominaram os homens, serão submetidas ao seu controlo. Ao tomarem-se senhores da sua própria organização social, tomar-se-ão, por isso mesmo, e pela primeira vez, senhores reais e conscientes da natureza. As leis que regem a sua própria acção social têm-se até aqui imposto aos homens como impiedosas leis da natureza, exercendo sobre eles uma dominação vinda de fora; doravante, os homens aplicarão estas leis com pleno conhecimento de causa, e por isso mesmo, emancipar-se-ão. O modo pelo qual os homens se organizam em sociedade, será obra da sua livre iniciativa. As forças objectivas que até aqui dirigiram a história, como seres plenamente conscientes do que vão fazer, sabendo que as causas sociais que vão dinamizar produzirão de forma sempre crescente, os efeitos requeridos. A humanidade sairá enfim da fatalidade para entrar no da liberdade. ( Socialismo utópico e socialismo científico – F. ENGELS )
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“ Quem me dera que fosse o pó da estrada
E que os pés dos pobres me estivessem pisando…
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Quem me dera que eu fosse os rios que correm
E que as lavadeiras estivessem à minha beira…
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Quem me dera que eu fosse os choupos à margem do rio
E tivesse só o céu por cima e a água por baixo…
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Quem me dera que eu fosse o burro do moleiro
E que ele me batesse e me estimasse…
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Antes isso que ser o que atravessa a vida
Olhando para trás de si e tendo pena… “
( De “ O guardador de rebanhos “ – XVIII – FERNANDO PESSOA )
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“ Enquanto o individuo não conquistou esta liberdade mediante esforço viril do pensamento filosófico não se mostra ainda plenamente senhor de si mesmo e, com os seus próprios sofrimentos morais, paga um tributo vergonhoso à necessidade em relação à qual se enfrenta. Mas, em contrapartida, quando este mesmo indivíduo se liberta do jugo dos terríveis entraves e opróbrios, surge logo uma vida nova, desconhecida até então e a sua livre actividade converte-se numa expressão consciente e livre da necessidade. O Indivíduo converte-se numa grande força social e nenhum obstáculo pode nem poderá já impedi-lo. “
( O papel do indivíduo na história – JORGE PLEKANOV )
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“ Esta tese, aceita e alargada por Renouvier, reconhece a presença
do acto de vontade na origem de todo o juízo; por consequência, tudo o que afirmamos como verdadeiro e, portanto, a própria ciência humana, recebe o impulso do acto livre da vontade, é livremente que afirmamos a verdade.”
(0 Exercício da vontade – G. DWELSHAUVERS)
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“ A concepção do homem, pelo contrário, pertence ao circulo espiritual, Os seus direitos, absolutos e inegáveis, estão enraizados no mundo do espírito e não no civil e politico, sempre transitório, instável e efémero. Porém as declarações do direito não podem unicamente enunciar os direitos do homem como ser espiritual:
devem aprofundar até às esferas inferiores e às mais recônditas do ser.”
(O cristianismo e a luta de classes – N. BERDIAEFF)
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“O desenvolvimento da consciência individual e o dos conhecimentos colectivos da humanidade mostra-nos, a cada”passo, “a coisa em si”, desconhecida, que se transforma depois em “coisa para nós”, conhecida, e a necessidade cega, desconhecida, a “necessidade em si ”, transformando-se em “necessidade para nós”conhecida”…. “A liberdade da vontade não significa, portanto, outra coisa senão a faculdade de decidir com conhecimento de causa.”
(Materialismo e Empirocriticismo - V . UTANOV)
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“A última liberdade das coisas, que se encontrar para além de todas as determinações, foi sussurada por Galileu – “E pur si muove” – a liberdade dos inquisidores para pensarem erradamente, de galileu para pensar acertadamente, e do mundo para mover-se, independentemente de Galileu e dos inquisidores.”
(Processo e Realidade. A.N.WHITEHEAD)
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“Na verdade, é a superfície do eu que toca o mundo exterior; e como esta superfície conserva a marca das coisas, o eu associará por contiguidade termos que terá apreendido jutapostos: é às ligações deste género que a teoria associacionista convém – ligações de sensações extremamente simples e, por assim dizer impessoais. A medida, porem, que se escava abaixo desta superfície, à medidas que eu volta a ser ele próprio, os seus estados de consciência vão deixando de se interpenetrarem para se fundirem conjuntamente, para cada um deles se tingir da coloração dos outros.”
“… Já ficou demonstrado que nós conhecemos, as mais vezes por refracção através do espaço que os estados de consciência se solidificam em palavras, e que o nosso eu concreto, o nosso eu vivente, se reveste de uma crosta exterior de factos psicológicos nitidamente desenhados, separados uns dos outros e. por consequência, fixos.
(Dados Imediatos da Consciência. – H. BERGSON
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“O objecto em que se fixa o juízo depois de uma deliberação reflexiva é o que a intervenção prefere,”uma vez que se deixa de indagar como deve agir-se desde o momento eu se encontrou a causa da própria acção que submeteu esta à faculdade que em nós dirige e governa todas as demais faculdde, porque ela é que escolhe e governa com intenção.”…”Assim, pois, sendo sempre o objectivo da nossa preferência sobre o qual se delibera e o qual se deseja, uma coisa que depende de nós, poderá definir-se a intenção ou preferência dizendo que é o desejo reflexivo e deliberado das coisas que dependem sòmente de nós próprios; porque nós julgamos depois de ter deliberado e, portanto, desejamos o objecto conforme à nossa deliberação e à nossa resolução voluntária.”
(Moral a Nicómaco. - ARISTÓTELES)
……………………………………………………………………………………………. È necessário, sem duvida, dizer ao homem que nasceu para ser feliz, mas lembrar-lhe igualmente que a conquista da felicidade foi sempre difícil e que o é, talvez mais do que nunca, num mundo em que todos os antigos elementos de estabilidade desaparecem, Não se lhe deverão esconder as provas da vida em sociedade nem as vida interior, bem maiores. Não é preciso dizer-lhe que o desenvolvimento científico e técnico vai facilitar maravilhosamente o seu desenvolvimento espiritual: pelo contrário, deverá explicar-se-lhe porque motivo a actual transformação do mundo o põe em risco de destruir o que ele tem de mais precioso se não multiplica a sua atenção. Numa palavra, se pretende que o homem possa ser feliz é preciso, antes de mais, dizer-lhe a verdade.
QUEM PÀRA, A SI PROPRIO SE ENGANA. É uma bela divisa e podemos aplicá-la em certos casos, tanto no domínio da reflexão como no da acção. Peço-lhe que seja fiel.”
(Carta a Louis Pauwels - PAUL SÉRANT)
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- Aspirante a Oficial do Exército
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Na ESCOLA PRÁTICA DE ADMINISTRAÇÃO MILITAR – LISBOA…………………………………………………………………………………………......
a) – OUTUBRO a DESEMBRO de 1964:
- Instrutor de escola de recrutas – especialidades do serviço de Intendência.
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No 1º GRUPO DE COMPANHIAS DE ADMINISTRAÇÃO MILITAR – Póvoa do Varzim
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b) – JANEIRO a MARÇO de 1965:
- Instrutor do Curso de Sargentos Milicianos – especialidade de ALIMENTAÇÃO do Serviço de Intendência.
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- Aspirantes a oficial do Exército – Outubro de 1964 a 31/1/65
- Alferes – (1/8/1965 a 16/5/1967)
- Tenente – (17/5/19617 a 31/8/1968)
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Na ESCOLA PRÁTICA DE ADMINISTRAÇÃO MILITAR – LISBOA
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c) MARÇO de 1965 a MAIO de 1968
- Instrutor de vários Cursos de Oficiais Milicianos;
- Instrutor de vários Cursos de Sargentos Milicianos;
- Instrutor de várias Escolas de Recrutas;
- Tesoureiro do Conselho Administrativo da E.P.A.M.;
- Chefe da Contabilidade do mesmo;
- Comandante Interino da Companhia de Comando e Serviços;
- Comandante Interino da Companhia Escolar;
- Gerente da Padaria Escolar;
- Gerente do Matadouro Escolar;
- Director das Escolas Regimentais;
- Gerente da Messe de Oficiais;
- Encarregado da organização da Cantina da Unidade e Gerente da mesma;
- Chefe interino da Secção Técnica e do Gabinete de Estudos;
- Instrutor do Tirocínio de Aspirantes a Oficiais do S.A.M.;
- Instrutor do Curso de Promoção a Capitães Milicianos;
- Encarregado da organização da Sala do Soldado e membro da Comissão da mesma;
- Comandante do Destacamento de Intendência para fornecer alimentação a Peregrinos Militares em Fátima ( 1966 );
- Comandante do Destacamento de Intendência de apoio logístico à S.A.F. da Cruz Vermelha Portuguesa em Fátima, nas comemorações do 50º Aniversário das aparições ( 1967 );
- Perito de contas da sala do soldado do R.I. II;
- Encarregado da organização da nova Messe de Sargentos e Cabos Milicianos;
- Encarregado da organização do projecto de beneficiação da sala de estar e bar dos Oficiais.
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- Tenente ( 17/5/1967 a 31/8/1968 )
- Capitão ( desde 1/9/1968 … )
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Na DIRECÇÃO DO SERVIÇO DE FORTIFICAÇÕES E OBRAS MILITARES
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d) – De DEZEMBRO de1968 a DEZEMBRO de 1969
- Técnico Responsável de Administração Militar do Conselho Administrativo;
- Promoveu a reorganização geral do serviço interno do Conselho Administrativo, com especial significado para o bom funcionamento do serviço:
a) Planificação geral das contas mecanografadas;
b) Intensificação da prestação de contas dos órgãos do Ultramar, relativamente ás obras custeadas pelo Orçamento das Forças Militares Extraordinárias do Ultramar desde os anos de 1963 a 1967;
c) Colaboração na criação da Comissão do Plano de Aquisições do Exército ( CREEFA ) das Infra-estruturas – DSFOM e sua adaptação ao caso das obras;
d) Reorganização do arquivo e criação da sala de fotocópias com material Rank-Xerox.
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NO ULTRAMAR
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Na DELEGAÇÃO DE NAMPULA das OFICINAS GERAIS DE FARDAMENTO E EQUIPAMENTO
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e) – De JANEIRO de 1969 a JANEIRO de 1971
- Chefe da Delegação em Nampula;
- Reorganização dos serviços perante um aumento de vendas na Delegação, de uma média mensal de cerca de 800 contos em 1969 para cerca de 1.500 contos em 1970;
- Reforma total das instalações duplicando em espaço e melhorando o funcionamento dos seus serviços;
- Perito de contas da Cantina da Guarnição Militar de Nampula;
- Perito administrativo ao Batalhão do Serviço de Material em Nampula.
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- Capitão
Na DIRECÇÃO DO SERVIÇO DE FORTIFICAÇÕES E OBRAS MILITARES
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f) – Desde 17 de FEVEREIRO de 1971
- Técnico responsável de Administração Militar do C.A.;
- Promoveu a reestruturação geral do Conselho Administrativo, com mudança de instalações e integração de parte da 1ª Repartição, face a alterações de orgânica administrativa na DSFOM, que propôs e foram aceites;
- Membro da COMPAE-DSFOM ( CREEFA ) como técnico administrativo responsável. Promoveu a sua reorganização criando as bases desta;
- Promoveu a criação da Messe para Sargentos e Funcionários civis;
- Promoveu o reagrupamento das salas de fotocópias com a sala de cópias heliográficas e respectivas alterações de máquinas.
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- LOUVORES e CONDECORAÇÕES
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Louvado pelo Exmº Brigadeiro Director do Serviço de Intendência como Comandante do Destacamento de Intendência, que prestou apoio à Peregrinação Internacional no 50º Aniversário de Fátima e à posterior Peregrinação de doentes militares, pela inexcedível dedicação pela forma a todos os títulos notável, como preparou e orientou o Destacamento, conduzindo criteriosa e eficientemente a sua acção que plenamente agradou. Este jovem oficial, que mostrou competência, capacidade de Comando e espírito de sacrifício, pois exerceu a sua acção, encontrando-se doente, honrou com a sua actuação o 2º G.C.A.M., onde está colocado e o Serviço de Administração Militar a que pertence. Classifico de “ Muito Bom “ o serviço que prestou.
( OS nº 129 de 2/6/1967 da E.P.A Militar )
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Agraciado com a medalha de louvor da Cruz Vermelha Portuguesa, nos termos do único do Artº 4º do Estatuto daquela instituição, promulgado pelo Decreto-Lei nº 36.612 de 24Nov1947.
( OS nº 206 da E.P.A.M. de 1967 )
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Louvado pelo Exmº Comandante da EPAM, pela forma prestigiosa e dedicada em como durante cerca de três anos, desempenhou as várias funções de que foi investido. Oficial inteligente e voluntarioso, conseguiu facilmente adaptar-se à execução de serviços para os quais se exige maturidade, destacando-se do conjunto, o apreciável trabalho realizado na organização da Cantina da Unidade e na Chefia Interina da Secção Técnica. De salientar ainda a dedicação e competência revelados no serviço de instrução, pelo que de toda a Justiça se deve considerar o Tenente Clemente como óptimo elemento e auspicioso Oficial do Serviço a que pertence. ( OS nº 104 da EPAM de 1968 )
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Louvado por Sua Exa. o Director do SFOM porque no desempenho das funções de Chefe da Contabilidade do Conselho Administrativo da DSFOM, durante cerca de um ano, manifestou sempre uma inexcedível competência, dedicação e zelo pelo serviço não se poupando a estudos e trabalhos, apresentando soluções objectivas para os assuntos de Administração dum Conselho Administrativo tão complexo, difícil e de grande responsabilidade como é o Conselho Administrativo da Direcção do Serviço de Fortificações e Obras Militares, no que evidenciou elevadas qualidades de inteligência, compreensão e assimilação, aliadas a excelentes qualidades de carácter e de convívio que lhe granjearam o apreço e a simpatia dos seus chefes e subordinados.
( OS nº 37 de 31Dez68 da DSFOM ).
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Louvado pelo Snr. Chefe da Sucursal das Oficinas Gerais de Fardamento e Equipamento em Lourenço Marques pela forma zelosa e eficiente com que vem desempenhando as funções de Chefe da Delegação de Nampula. Apesar de grandes dificuldades em pessoal e instalações, com mudanças e alterações frequentes, tem conseguido, pelo seu esforço, que a Delegação venha cumprindo satisfatoriamente a sua missão, reduzindo as deficiências consequentes daquelas dificuldades a um nível que as tornam pouco notórias e satisfazendo ao considerável aumento de movimento da Delegação. Pela acção desenvolvida no sentido de melhorar as instalações e dar eficiência aos serviços é o Snr. Cap. Clemente, merecedor da confiança dos seus chefes e do apreço em que é tido como oficial competente do SAM. ( alínea f ) do Artº 6º da OS nº 240 de 19Out970 das OGFE )
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Condecorado por despacho de 24Maio71 de Sua Exa. o Ministro do Exército, com a medalha comemorativa das Expedições das Forças Armadas Portuguesas à Província de Moçambique com a legenda -1969—70 e 71. ( Nota nº 05160 –Pº 1442/71 de 25Maio71 da RJD da DSJD ) ( OS nº 10 de 29Maio71 da DSFOM ).
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Agraciado com o Grau de Cavaleiro da Ordem Militar de Avis ( OE nº 20 – 2ª Série de 15Out71 ) e ( OS nº 22 de 29Nov71 da DSFOM ).
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Louvado por Sua Exa. o general Director do Serviço de Fortificações e Obras Militares, porque desempenhando durante mais de um ano as funções de Chefe da Contabilidade do Conselho Administrativo da DSFOM, manifestou sempre invulgares qualidades de trabalho, competência, inteligência e dedicação pelo serviço, mormente quando da reestruturação do mesmo Conselho Administrativo em face das novas directrizes superiores da Administração, tornando-o mais eficiente. Dando sempre uma leal e proveitosa colaboração a todos os outros sectores da Direcção do serviço de Fortificações e Obras Militares, nomeadamente aos Conselhos Administrativos das Unidades de Engenharia do Ultramar, pôs em evidência altas qualidades de camaradagem, o que lhe grangeou a estima e consideração de todos aqueles com quem privou. ( OS nº 11 de 14Junho72 da DSFOM ).
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Proposto para ser agraciado com a medalha de Mérito Militar.
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Obs.Falta o Louvor de CEMGFA  Gen Costa Gomes em Março de 1975  (acção no 11 de Março)

AS RAÍZES DO TEMPO E DO PENSAMENTO

REFLEXÕES: DOS CLAUSTROS À MADALENA

As raízes do tempo e do pensamento

A matéria que se transforma, enleia-se, sem se perder,nas raízes que consolidam o que já existe.
vem da nossa época escolar no “Pilão” a aprendizagem da célebre teoria de Lavoisier

"na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma"


É pois com este axioma (que tem por base a teoria infinita) que ouso admitir que, ao nível do tempo e do pensamento, os passos da nossa evolução forjam as suas raízes. A partir daqui fala a vida,com altos e baixos,alegrias e tristezas...qual “Phoenix”que se reergue para voar...por entre “tempos” e “pensamentos”...

É quando não existe nenhum principio efectivo de unidade da vida social e política que os “pensadores” intervêm. Foi primeiro para condenar um poder político ou religioso que impunha à sociedade decisões arbitrárias ou escandalosas; mas, depois e cada vez mais à medida que apareciam os actores sociais e que se se estendia a democracia, os “pensadores” intervieram nos conflitos e nos debates sociais para evidenciar o sentido destes. Em situações de crise ou de dependência esse sentido era ocultado por ideologias impostas pelas classes dirigentes ou pelos partidos que falavam em nome do povo, da nação ou das massas.Bem entendido, existem diversas figuras de “pensadores”. A mais clássica, e talvez também a mais visível, é a do “pensador” denunciador, cuja atenção se concentra totalmente na crítica do sistema dominante. Revela o que se esconde por trás de discursos moralizadores e o sofrimento dos que são explorados, alienados e manipulados.
Na “velha Europa” Boudier, Sartre, Fanon, Genet, Althusser, distinguem-se neste grupo. Mas foi sobretudo Foucault, quem destes, melhor juntou o pensamento crítico a uma obra de grande qualidade intelectual. O segundo tipo de “pensadores”, é o dos que se identificam com determinada luta ou determinada força de oposição e se tornam seus “pensadores” orgânicos. Têm a satisfação de serem vedetas de reuniões, de “foruns” internacionais e titulares de “caixa alta” nos “media”. A quebra acentuada da “ideologia” atinge-os com violência. Não participam na elaboração do sentido da acção e limitam-se a testemunhos. O seu papel sendo limitado é importante porque exprime uma vontade: a solidariedade com certas categorias sociais privadas de palavra que poderia ser facilmente absorvida pelo “establishment”.Para além destas há os “pensadores” que exercem o seu ofício, que é analisar e compreender, procurando o sentido das acções que apoiam ou as que se opõem. Mas só se poderá falar relativamente a eles de “pensadores” (e não apenas de peritos ou de profissionais) quando a sua palavra e os seus escritos estão ao serviço duma critica do poder, ou, mais directamente duma força de oposição e de protesto. Acreditam na existência, na consciência e na eficácia dos actores, ainda que conheçam as suas limitações.A situação desses “pensadores” é difícil: acreditam nos actores, mas guardam distância em relação a eles.Ora, os militantes preferem muito mais os “pensadores” que denunciam os abusos dos seus adversários àqueles que analisam a sua própria acção, mesmo quando o fazem como aliados.André Malraux é a figura mais emblemática desta terceira categoria de “pensadores”. Foi interveniente e deixou obra.
Este tipo de “pensadores” só podem actuar no interior de uma sociedade democrática. Quebram as falsas unidades e procuram identificar os desafios mais importantes da acção colectiva.Existe, por fim, uma quarta categoria de “ pensadores”. Podem qualificar-se por utopistas, no sentido positivo do termo, pois se identificam com as novas tendências da cultura, da sociedade ou da existência pessoal, e tornam-nas mais visíveis. Edgar Morin é talvez o mais criativo deles.Falou-se frequentemente no “fim dos pensadores”. Não é verdade. Mais acertada será a tese do “silêncio dos pensadores” no princípio dos anos oitenta. O silêncio podia estar carregado de “recusa”, com sistemas e actores, ainda em análise.Após a queda da U.R.S.S., vieram anos de decomposição da acção política durante os quais se fizeram ouvir os denunciadores da ordem dominante, mas também a análise dos chamados “pensadores intérpretes”.Todas as famílias de “pensadores” podem coexistir.Tal facto até revigora o debate intelectual.Na situação presente as nossas sociedades têm pouca unidade, não se conformam com nenhuma lógica hegemónica e estão cada vez mais divididas.Geram-se nesta situação novas formas de acção e de pensamento cuja emergência é preciso descobrir, mas estendem-se igualmente às zonas de exclusão que os denunciadores alertam. A única família de “pensadores” que se enfraquece actualmente, parecendo em vias de extinção, é a dos “ideólogos orgânicos”. No fundo não reconhecem nenhum lugar aos outros. As suas filosofias da história e a confiança nas “suas fechadas organizações” estão de facto em declínio. Podem perigar a democracia?Talvez! Existem ainda os que encontrando-se no beco “já tudo julgarem saber”, nunca reconhecerão que “quanto mais sabem e lhes forneceu a análise, mais sabem que menos sabem...e o que lhes falta ainda analisar...!”.Esta categoria pseudo-pensante nem bastarda é de qualquer das categorias, neste texto, alinhadas como “pensadores”. Sem desprimor para os “sérios e bons profissionais” são “jornalistas”, “copy-righters”, ”profetas tabeliães”, “escrivães do politicamente correcto”, “leiloeiros de adjectivos e labéus” e até “carcereiros do diálogo”.Vivem sob a capa protectora da democracia mas nada terão a ver com estes “pensadores”.O relativo silêncio das últimas décadas explica-se pelo encerramento dum período histórico. O retorno dos “pensadores” está associado à substituição da análise dos sistemas pela interpretação dos actores.Esse retorno está, portanto, ligado a uma renovação e reforço do espírito democrático; sobretudo à defesa dos direitos fundamentais: liberdade, igualdade e solidariedade (fraternidade).

( 23 de Agoosto de 2009)

REINVENTAR A EMANCIPAÇÃO SOCIAL

Projecto possível?
REINVENTAR A EMANCIPAÇÃO SOCIAL


«A globalização trouxe coisas boas…mas impor aos países mais pobres a monocultura e a mono -produção só perpetua a pobreza destes…»

«É mais fácil a globalização duma qualquer marca do que a da carta dos direitos humanos.»
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Explicar hoje, os processos económicos, sociais, políticos e culturais das sociedades nacionais, ou apenas só fazer-lhe referência, será sempre verificar qual o papel que, nesses processos, desempenha hoje a globalização, a globalização-hegemónica !.

Mas a par da sua importância e hegemonia –e por reacção a ela - esta globalização criou outra!
Criou a globalização (vista como contraponto àquela), formada por redes e alianças transfronteiriças entre movimentos, lutas e organizações locais ou nacionais, em diversos pontos do globo. Mobilizam-se contra a exclusão social, a precarização do trabalho, o declínio das politicas públicas, a destruição do meio ambiente e da biodiversidade, o desemprego, as violações dos direitos humanos, os próprios ódios inter-étnicos produzidos directa ou indirectamente pela dita globalização-hegemónica. .

Pode pois afirmar-se que da base para o topo das sociedades nasceu uma globalização alternativa, contra-hegemónica. Ainda que recente, ainda que emergente, ela tem raízes mais velhas que a manifestação contemporânea mais consistente, até hoje realizada, com este espírito: o primeiro Fórum Social Mundial, realizado em Janeiro de 2001, em Porto Alegre (Brasil).

Se o capitalismo moderno é na sua origem um projecto de vocação global
que se desenvolveu sempre sob a forma de intensificação da globalização, por outro lado sempre houve resistências a esse projecto tão dinâmico como predador. Desde a revolta dos escravos às lutas de libertação nacional, desde as lutas operárias aos projectos socialistas, desde os movimentos anarquistas aos movimento dos não-alinhados e de outros eventos de cariz semelhante.





O que haverá de novo hoje?

Temos a intensificação exponencial das relações transfronteiriças, as novas tecnologias de comunicação e de informação com efeito profundo na “acção social”, nas suas escalas tanto espaciais como temporais.

“O local é cada vez mais o outro lado do global e, vice-versa, o global é cada vez mais o outro lado do local.”

A explosão das escalas tanto geram interdependência quanto disjunção. Nunca tantos grupos estiveram tão ligados ao resto do mundo por via do isolamento nem tantos foram integrados por via do modo como são excluídos.

E que mais haverá ainda?

A voracidade com que a globalização-hegemónica devora as promessas de progresso, de liberdade, de igualdade, de indiscriminação e da racionalidade.

Porque a regulação social-hegemónica deixou de ser feita, em nome dum projecto de futuro ,os designados projectos de emancipação social foram deslegitimados. A regulação-social é feita por impulsos, como patinando num gelo de interesses de momento (que se derrete inexoravelmente) e como tal nem chega a erguer-se ou nasce efémera.

A desordem dos mercados financeiros só vem acentuando que a a forma de regulação social seja uma metáfora e a ideia de uma “emancipação social sustentada” mera propaganda ocasional.
Paradoxalmente, dentro deste vazio de regulação e de travão à emancipação, estão surgindo, como já referimos, em todo o mundo, as reacções que consubstanciam a “globalização contra-hegemónica”. Movimentos, organizações e iniciativas diversas lutam simultaneamente contra as formas de regulação que não regulam e contra as formas de emancipação que não emancipam. (1)

Assim, e neste cenário, torna-se pertinente inquirir se poderemos reinventar a emancipação social?
Antes de encontrar resposta colocam-se, curiosamente, “pré-questões cruciais”:

* Será possível unir o que a globalização hegemónica separa e separar o que a globalização hegemónica une?
* Residirá tão só nisso a globalização contra-hegemónica?
* É possível contestar as formas de regulação social dominante e a partir daí “reinventar a emancipação social”?
* Qual a intervenção dos investigadores e estudiosos para enfrentar estes desafios?
* Terá sido fatal para a ciência política moderna e para as ciências sociais, em especial, terem abandonado o objectivo da luta por uma sociedade mais justa?

De facto por se terem estabelecido barreiras entre a ciência e a politica, entre o conhecimento e a obra, entre a racionalidade e a vontade, entre o ser e o ter, entre a verdade e a quimera, entre o participativo e o representativo; certos estudiosos e/ou cientistas, com aparente “boa consciência”, colaram-se aos poderes vigentes-hegemónicos.
E com esse fatalismo, não raro também noutras matérias, ter-se-á relegado para as calendas:

* Unir o que foi obstinadamente separado;

* Construir formas de conhecimento (e de acção) mais comprometidas com a condição humana;

e fazê-lo de modo menos eurocêntrico e menos dogmático.

O projecto é ambicioso mas é possível. Quase nos leva a pensar no axioma de Maio de 68: ”ser realista desejando o impossível”.

Como fazê-lo?

Renovando a ciência política moderna.
Mas para que essa renovação seja consistente terão de ser retiradas as barreiras antes descritas, ter-se-á que voltar a revitalizar (e a dignificar) a condição humana e a valorizar os compromissos exigidos por uma sociedade mais justa; calibrar o convívio da representatividade e da participação, activa e séria, por cada ser humano na construção do seu destino; recolocar em jogo e remoçar os princípios e valores, pró-sociais, que foram arredados ou esmagados pelos (novos e velhos) fundamentalismos de credos economicistas predadores e devastadores (dos quais a ultima e actual crise é disso exemplo).
Renovando, com estas premissas, a ciência política moderna é (e impõe-se ser) possível reinventar a emancipação social.



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Mais uma reflexão séria a fazer-se, não apenas simbolicamente nos percursos, de vai e vem, entre os nossos “Claustros” e a nossa “Madalena” mas transpondo-nos para um outro mundo (o nosso planeta) entre o local e o global e vice-versa!

Claro que este assunto nos conduz à problemática da “democracia representativa” e da “democracia participativa”.

Trecho para esta reflexão, me proponho trazer, em próximo Boletim

(1)-Fontes:

-Sakkhela Buhlungu (O reinventar a democracia participativa na África do Sul);
-Maria Clemência Ramirez (A politica de reconhecimento e da cidadania no Putumayo e na Baixa Bota Caucana -Colômbia);
-Maria Teresa Uribe (Emancipação social num contexto de guerra prolongada-Colômbia);
-João Arriscado Nunes (“Casas decentes para o povo”movimentos urbanos e emancipação em Portugal);
-Isabel Guerra (O território como espaço de acção colectiva…);
-Maria Célia Paoli (Empresas e responsabilidade social: os enredamentos da cidadania no Brasil);
Conceição Osório (Poder político e protagonismo feminino em Moçambique);
-Boaventura de Sousa Santos (Orçamento participativo em Porto Alegre: para uma democracia redistributiva);
-Leonardo Avritzer (Modelos de deliberação democrática :uma análise do orçamento participativo no Brasil);
-Patrick Heller (O perfil politico e institucional da Democracia Participativa: lições de Kerala, Índia);
-Emir Sader (Para outras democracias).

Manuel Duran Clemente Fevereiro 2010

25 de ABRIL.....Sonho e Luta 37anos

25 de ABRIL Sonho, Luta, Revolução e Esperança...
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Todos os que não se sentiam bem…com a ditadura… fizeram o 25 de ABRIL.

Fomos um só povo: europeus e africanos. Os do Norte e os do Sul, do Litoral e do Interior:
A sentir em português o acto: REVOLTA...
A falar em português a palavra: LIBERDADE...

A guerra que travámos tinha várias espécies de “teatro de operações”:

O teatro de operações não era só em África, na guerra colonial…era em toda a parte
onde se lutava,
onde se trabalhava
onde se sofria,
onde se aprendia,
onde se conspirava
onde se crescia…
onde se queria um 25 de Abril.

A guerra em que nos meteram “Portugal uno e indivisível “ e “orgulhosamente sós” isolou-nos ainda mais …Mas como há sempre verso e reverso, a dialéctica encarregou-se:

-de nos colocar contemporâneos com o clima de mudanças;
-de germinar em nós a descolonização/libertação:
- Primeiro, da ditadura opressiva de quarenta e oito anos.
- Segundo, do colonialismo atávico de quinhentos anos.

”Libertámo-nos” duma prisão, dum isolamento e dum obscurantismo e quisemos, com os novos ventos da História, enfunar as velas de velhos navegantes:
-rumo a outra Amizade e Cooperação entre os povos;
-rumo a outra Participação, de nós próprios, no nosso Futuro.

E…só assim foi possível o 25 de ABRIL…

Portugal redimiu-se numa noite e fez surpreendentemente, dum conjunto de jovens militares, emergirem capitães, timoneiros do povo armado…mas também, sob a égide dum povo unido, erguer uma das mais belas alvoradas.

Nós capitães, anos após anos, constatámos que afinal o nosso inimigo não estava na mata tropical mas no Terreiro do Paço…Altas patentes militares e Governantes mentiam-nos sem pudor.
E foi, paradoxalmente, com os conhecimentos adquiridos nessa guerra, que soubemos preparar com profissionalismo e competência a tomada do poder.
E tomar o exemplo de todos, fossem quais fossem os seus “credos”…de todos, os que durante décadas, foram combatentes da Liberdade, precursores, estímulos e progenitores da acção do Movimento das Forças Armadas.
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Uma Alvorada libertadora, só por si, não faz uma Revolução…mas há Alvoradas que as fazem.

Nesse dia, há 37 anos, o 25 de Abril sendo um Golpe Militar, trabalhoso e difícil, cuja intenção e grandeza não se poderão negar, teve na estrondosa adesão popular a plataforma para um estado superior : e por isso foi REVOLUÇÃO.

Ao povo, aos cidadãos… foi restituído o que era deles e por isso eles acorreram: a tomar nas suas mãos o que lhe era pertença:
-nas instituições;
-nas fábricas;
-nos bairros;
-nas escolas;
-na terra…no campo…na serra.
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Hoje, passados trinta e sete anos, o Portugal Democrático não tem nada a ver com o Portugal da ditadura.
É fundamental não perder de vista esta realidade.

Não confundamos os males de então com os dias extremamente difíceis de “hoje”, que já o eram “ontem” e têm vindo a sê-lo ( há tantos) destes 37 anos.
Quiçá, terão mesmo alicerces numa data venerada pelos inimigos da Revolução, dum certo Novembro da nossa Primavera.

Alguns desesperados desabafam: “está tudo como dantes”...”está tudo na mesma “ ou ainda “até pior”.
Não o devem repetir. Isso significa comparar tempos e agonias diferentes.
Cuidado…não branquear o fascismo. (*)

Os desencantos de hoje e respectivas frustrações nada têm a ver com o 25 de Abril.

Os desencantos de hoje e respectivas frustrações são fruto duma coligação de interesses e conjugação de factores internos e externos.

Às raízes antigas, outras se lhes vieram juntar.

Globalmente são resultado da essência e natureza dum sistema predador:

-Responsável pela miséria, pela fome e pela doença de milhões de seres humanos.
-Responsável pela depauperação de países e pela pilhagem de continentes.
Chama-se: “capitalismo”, com diversas alcunhas:
-neo-liberalismo,
-ultra-liberalismo global…
-e, até já, só simplesmente da curta expressão “mercado livre”.

Em 25 de Abril quisemos que as pessoas, os portugueses participassem no futuro.
Quem deixou? Quem permitiu (como e quando)? Que agora, nos dias de hoje, seja o MERCADO LIVRE e os seus tiranetes a mandar em nós ???
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Há anos que vimos afirmando que o sistema gera desumanas situações sócio-económicas, com uma aparente e ilusória contrapartida de progresso económico,

onde os ricos tem ficado cada vez mais ricos
e os pobres, cada vez, mais pobres.

Há muito que a economia social foi estrangulada e a vertente financeira (especulação) se sobrepõe à vertente produtiva (economia real).
Esta é a essência da crise .Infelizmente é-o há muito.


E o que é que isto tem a ver com o nosso 25 de Abril?? Perguntarão.

Tem tudo a ver.
Para nós Capitães de Abril, para a esmagadora maioria de nós, de todos nós, o verdadeiro 25 de Abril assentava numa base programática (o programa do MFA) com os direitos e os deveres do cidadão, dignos dum Estado-Social…e que, graças à luta dos progressistas, a Constituição da República Portuguesa viria a consagrar, em letra, em 2 de Abril de 1976.

Que País e que Estado-Social temos, 37 anos depois?

Há trinta e sete anos quisemos um país novo.
O programa do MFA deu o mote: descolonizar, democratizar e desenvolver.

Tivemos muitos avanços e grandes recuos. Mas…
Que outra “guerra” ou outras “guerras” nos atormentam?

Dos marcos da Revolução Social: Liberdade, Igualdade e Fraternidade (Solidariedade), os poderes instalados só vibram com a Liberdade.
Mas onde andam a Igualdade, Fraternidade e a Solidariedade?
É que a Liberdade, anda de boca em boca, para que haja cada vez mais liberdade para : “explorar”… “oprimir” … “mentir”…“manipular”.

Sendo um país diferente :
-muitos sonhos ficaram por realizar,

-muitas situações de injustiça e iniquidade convivem connosco ainda hoje e agora!

-a gravíssima crise interna deve-se à coligação de interesses que nos tem desgovernado!

-e à crise internacional pretendem os poderosos curá-la com os mesmos falsos remédios que a criaram!

Voltámos a estar em “guerra”.E sabemos onde estão os inimigos.
Estando muito diferentes de há 37 anos, estávamos longe de pensar, que absurdos e negativos indicadores e comportamentos dos governantes hoje nos colocariam …próximos duma bancarrota social e financeira.

Que irá acontecer aos dois milhões no limiar da pobreza?
E aos cerca de um milhão com emprego precário?

Que se passa?

Desde operário a licenciado o português é bom profissional em todo o mundo! Que nos fazem ou deixamos que nos façam cá dentro.
E os sucessivos Governos que têm feito?
O 25 de Abril merece mais, merecia mais.
Merecia e merece outra Politica.Merecia e merece outra cultura e outra mentalidade!
Outra classe politica diferente da que tem detido o poder desde os Governos Constitucionais que infelizmente não têm sabido, em muitos momentos, estar à altura da grandeza da LIBERTAÇÃO de ABRIL.

Em 35 anos os sucessivos governos têm-se mostrado reféns de várias grilhetas.

a)-Internamente:

*Reféns de uma cultura “de poder pelo poder” em vez “do poder pelas
pessoas, pelas nossas gentes”…

*Reféns pela mentira, pela manipulação, pelo “faz de conta”…

*Reféns pelo angariar clientelas a todo o custo…criando elites sôfregas por lugares ao sol…e que por aí vão propagando formas de estar e de vivência nada condizentes com o espírito de Abril…

*Reféns de se fazerem de “ouvidos moucos” das verdadeiras necessidades
e ensejos do povo trabalhador…

*Reféns de acções constantes dum asfixiar das responsabilidades cívicas e
dos direitos de participação e da cidadania activa que Abril abriu…

*Reféns,por muito que nos custe, do prodígio da incompetência e da
estratégia do suicídio…que o mais pessimista de nós nunca esperaria após o
25 de Abril…

*Reféns da ilusão de alternativas salvadores mas que apenas têm escondido o papel de afundadores do País de Abril, repetindo e alternando a farsa a que se entregaram nesta três décadas…subvertendo na prática as normas, os fundamentos e as linhas orientadoras da Constituição de 1976…e até querendo atribuir-lhe os males do País…

*Reféns pela incapacidade de desmontar uma intensa ofensiva ideológica levada a cabo pelos órgãos de comunicação, propriedade do grande capital, cujo objectivo tem sido criar condições favoráveis à continuação da política dos poderosos…e à desqualificação da vida dos trabalhadores…

*Reféns da corrupção, da apropriação, assalto e esbulho aos bens, que
supostamente deveriam estar ao serviço de todos os cidadãos, mas têm servido para a criação de coutadas geradoras de lucros e escandalosas remunerações e prémios anuais recordes do mundo …(**)

*Reféns, pecado maior, do mando dos grupos financeiros e económicos nacionais, a cuja subordinação, esta nossa democracia já compete com os piores tempos da ditadura…

b)-Externamente

*Reféns duma débil e falsa União Europeia (um gigante de pés de barro)para onde partimos (em 1985) apenas com dez anos de democracia e com um estrondoso atraso estrutural económico (herdado da ditadura) que só por si merecia, como muitos avisaram, outro tipo de negociações, outras cautelas, leviana e festivamente, desprezadas…

*Reféns da incapacidade de fazer valerem os pontos de vista nacionais, submissos à abdicação e imposição que nos fragilizaram em sectores económicos vitais (como nas pescas, na indústria e na agricultura…) entre outras malfeitorias semelhantes…

*Reféns ou aliados à cegueira de não perceber que a crise internacional teve responsáveis…os mesmíssimos que agora a querem curar à custa dos mais fracos e dos que são sempre sacrificados:quem trabalha e produz…

*Reféns ou cúmplices da ignorância do que tem acontecido aos povos que recorreram à designada “ajuda externa” que não é mais do que um “eufemismo” porque significa tudo menos ajuda. É exploração, é especulação, é ingerência…(***)

*Reféns duma lógica de integração capitalista que é o aumento da acumulação e concentração de capital dos grandes conglomerados de empresas, dos monopólios dos países mais ricos e desenvolvidos que não só engordam à custa do saque dos países do terceiro mundo, como também dos países menos desenvolvidos da U.E….

*Reféns, pecado ainda maior, de não perceber que as ditas crises financeiras resultam das crises do capitalismo e baseiam-se sempre na sobre-acumulação de capital na esfera da produção. Não perceber que perante as crises ou impasses o capital monopolista irá tornar-se mais agressivo, predatório e sem escrúpulos, intensificando a exploração dos trabalhadores. O objectivo é a redução do custo da força do trabalho…
*Reféns de não perceber ou ser cúmplices de que nenhum pacto, mecanismo ou programa de estabilidade, poderá, só por si, debelar a crise ou resolver as contradições do capitalismo, como ataque selvagem e bárbaro do capital contra os direitos e vida dos trabalhadores, das camadas populares e dos jovens… …

*Reféns de não compreender que com a continuação das politicas e dos comportamentos ,que teimosamente o Capital impõe ( perante o qual se têm vergado os responsáveis portugueses)…com a continuação dessas políticas o desemprego, a pobreza, e as contradições entre os estados-membros da U.E. irão aumentar, com graves consequências para os povos…

*Reféns de não entender que a escalada de ataques antipopulares atingirá todos os estados membros da U.E, porque o Capital Monopolista quer é reduzir o custo da força do trabalho, o seu objectivo fulcral é reforçar a competitividade não só em relação aos EUA, mas também em relação às forças emergentes como China, India e outras, com mão de obra muito mais baixa… a questão dos défices e dos endividamentos pode ser apenas e tão somente uma cortina de fumo…

Nada disto tem a ver com o que deu razão ao 25 de Abril….
Tudo isto é contrário ao que aliança POVO-MFA queria, na alvorada libertadora…

Que viesse o “mercado” mandar nos nossos destinos…que nos hipotecassem “a Liberdade e as Conquistas da Revolução” aos desígnios dos poderosos…e do CAPITAL? Nunca.

Nunca e por isso….haverá a urgente necessidade de ligar duas lutas, sem tréguas:
-a luta contra o capital
-a luta pelo poder do povo…

Restaurar em nós o ânimo de prosseguir Abril.

Um 25 de Abril digno dos trabalhadores, dos jovens e dos desfavorecidos.
*Digno de todos aqueles que têm contribuído para que a Constituição Portuguesa não se fique por retórica…
*Digno de todos aqueles que têm lutado para que o projecto de Abril sirva às gentes e não só a uns privilegiados…
*Digno de quantos… nas suas estruturas e organizações, nos seus sindicatos, lá onde podem, utilizam as novas armas que Abril lhe deu…

A luta continua e com ela continuará sempre…o sonho, a revolução e a esperança: que fizeram Abril, que deram força a Abril.

Tal como há 37 anos.Tal como durante 37 anos.
Há vitórias e derrotas nas constantes batalhas da Vida....mas a grande Vitória é continuar a lutar...a lutar pela igualdade e justiça social.
……
Todos nós somos parte da solução. Temos de existir. Temos de votar.
Não recomendo voto em branco. Votem nos que têm lutado, desde sempre, pela igualdade e pela justiça social e contra as grilhetas dos poderosos.
Todos nós somos parte da solução…repito.

Grândola vila morena/terra da fraternidade/o povo é quem mais ordena/dentro de ti ó cidade….”

O 25 de Abril está vivo e continuará.
25 de Abril sempre..

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Notas ou Observações complementares

(*)(Indicadores de 1974 comparados com indicadores recentes)

Analfabetismo: 34 % hoje cerca de 5%.
Mortalidade infantil: 38 por mil “ 3,3 por mil
Salário mínimo: 16,46 Euros “ 485, Euros
Lares com luz : 36% “ 0,3%
Lares sem água: 53% “ 1,5%

Criação dum Serviço Nacional de Saúde.
Apesar das carência triplicou o nº de médicos por habitante
Renovação na Escola, multiplicando por 25 o nº de licenciados.
Outros direitos e outra garantias…constitucionais…hoje ameaçados… é verdade!
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(**)

…Uma das justificações para as privatizações, a partir de 1989,era reduzir a divida pública. Vinte e dois anos depois, esta divida quase duplicou…e agora cerca de metade ou mais do capital dessas empresas está nas mãos de estrangeiros e só nos últimos seis anos já tiveram lucros líquidos superiores ao valor então arrecadado pela venda do estado (cerca de 40 mil milhões de euros) que obviamente é repatriado…e deixa de ser reinvestido na nossa economia…
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(***)

A dita “ajuda” a Portugal será de 80 mil milhões de Euros:55 mil para pagar os juros da divida até 2014 e o restante para fundo de recapitalização da banca e para amortizar passivos de empresas públicas. Em 2014 estaremos na mesma ou pior?
E o “Mercado Livre” a rir-se. Claro. Engordando a especulação à custa dos sacrificados de sempre.
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30/Abril/2011
(Excertos duma intervenção, feita por mim hoje, no Barreiro [nos Penicheiros] a convite de todas as Juntas de Freguesias deste bravo Concelho)