quarta-feira, 23 de junho de 2010

Inquietação:noz de galha de carvalho (metáfora)

Erguia-se como arbusto semi-selvagem e frequentemente se plantava à minha frente ou me aparecia como obstáculo limitador da libertação que merecemos e queremos!

Havia na minha mata quando era criança um arbusto que sempre me surgiu como o rei dos arbustos-o Leão das árvores rasas- e este era a "carvalheira"(galha de carvalho).
As carvalheiras não chegam ser carvalhos;os carvalhos além de árvores fortes e frondosas dão-nos aquela madeira(bela e duradoura) que torna os móveis de carvalho no valiosos património semelhante ao mogno tropical...galhas, quantas vezes erguidas à sombra de,também, uma outra árvore forte e majestática que é o castanheiro.
Acontece que a carvalheira brota um fruto seco que é completamente esférico...e como esfera que é (esse fruto...) na minha infância era o nosso berlinde, o da rapaziada do interior...utilizado no jogo das três covinhas; covinhas cavadas na terra no terreiro da minha escola primária.Escola Primária, Estado Novo,raparigas dum lado e rapazes do outro, virada para nascente,captando de Espanha bom vento e bom casamento...

Das carvallheiras nasciam, como já disse, esse frutos redondos com os quais brincavam os miúdos até aos nove,dez ,onze anos...eram os berlindes dos anos quarenta...antes de chegar a garrafa de gasosa "o pirolito",cuja tampa era uma esfera de vidro...interiormente colocada à pressão...partindo-o restava-nos o berlinde de vidro. Nós chamavamos-lhes "bugalhos ou bugalhas"...colocados na fronteira da inquietação e do irrequietismo da nossa tenra idade,perto da raia castelhana..ou da raia de outras nacionalidades refractárias da Europa.Os bugalhos eram comandados pelos nossos dedos que lhe ordenavam uma direcção,num movimento de bilhar,onde o taco é o nosso braço e a ponta do mesmo o nosso dedo médio em flecha com o polegar.Iimprimia-se-lhe uma direcção:para a primeira covinha e assim, sucessivamente, para a segunda e para a terceira...Quando os bugalhos foram substituídos pelos berlindes,esferas de vidro, apareceram os abafadores...e estes tinham o poder de abafar o esférico ao alheio...tipo grande potência...com alvará para roubar e oprimir...Já assim e naquele tempo o terreiro da minha escola/infância era "um teatro de operações" onde bailava a inquietação do contraste e da guerra...desde o condiscípulo pobre (que vinha -da aldeia longe- caminhados cinco ou seis quilómetros,com um saco de pano onde albergava um pedaço de presunto com um naco de pão de centeio) até ao filhos da classe média ou alta...sobressaindo desta, os filhos dos médicos da terra e o filho do juiz do burgo...e outros de militares e de comerciantes
Mas o sustento trazido de longe pelos que caminhavam de alpercatas ...tinha um cheiro forte e característico...tanto que inquietavam...Daqueles sacos feitos de trapos...libertava-se um perfume de
desassossego...eles ficavam e nós íamos almoçar a casa a sopa quentinha da mamã!!!
Mas que paradoxo...se aquele cheiro,sendo caseiro,ainda era forte e fraternal?!
Como aquele sustento germinava tamanho sobressalto que só podia gerar revolta!?

Manuel Duran Clemente (5.Nov.1991)

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