domingo, 1 de maio de 2011

Economia Real e Economia Virtual (Terceiro)

Economia Real e Economia Virtual (3)



«A Argentina, desde 1989,seguiu literalmente todas as recomendações do FMI e de todas as instâncias financeiras internacionais. O conjunto do património do Estado foi privatizado» (…) «…o comércio externo inteiramente liberalizado, o controlo dos câmbios suprimido, milhares de funcionários públicos reformados ou com os salários e as pensões de reforma diminuídas, para reduzir o deficit do Estado. A própria moeda foi colocada em paridade (inscrita na Constituição!) com o Dólar para impedir qualquer futuro de a desvalorizar. Não obstante, o montante da venda do património do Estado, que atingiu dezenas de milhares de milhões de Dólares, pura e simplesmente evaporou-se, graças a uma corrupção monumental …E nem sequer serviu para pagar a dívida externa do país! Mais insólito ainda, essa dívida, que era de 8 mil milhões de Dólares antes das privatizações, atingiu, após a venda dos bens do Estado, um montante 16 vezes mais elevado (132 mil milhões)» (…) «No entanto a Argentina continuava a ser o “melhor aluno” do FMI. Domingo Cavallo, o seu Ministro da Economia era, segundo o New York Times ,o “herói liberal do ano”. Por todos os que veneravam o “ultraliberalismo”e que não paravam de incensar “o modelo argentino” a Argentina era considerada um modelo exemplar. Foi este modelo que, após quatro anos de recessão económica, se desmoronou tragicamente em Dezembro de 2001.» -Carlos Gabeta, in “La Debacle de Argentina”.


Tínhamos acabado o nosso segundo capitulo deste escrito, afirmando, que, apesar de tudo, os filhos da revolução da “ economia-net” não foram devorados.

E a Globalização, por seu lado, saiu da puberdade.

Ainda recordando a Argentina, deve sublinhar-se que os novos dirigentes, a partir de Janeiro de 2002, demoliram o sistema liberal e mandaram o FMI “às malvas”. Segundo o “Le Monde” de 3 de Janeiro, desse ano, no discurso de investidura de Eduardo Duhalde este afirmou: «…O meu empenhamento a partir de hoje, é acabar com este modelo [ modelo liberal ] esgotado que mergulhou no desespero a grande maioria do nosso povo.» (…)«…que atirou para a pobreza dois milhões de compatriotas, destruiu a classe média, arruinou as nossas indústrias e reduziu a nada o trabalho dos Argentinos».

Como dizem os cronistas e historiadores desse tempo «raramente os danos do ultraliberalismo foram tão severa e claramente denunciados.»

Mas este caso Argentino demonstra, como a globalização do capital financeiro colocou, coloca e colocará os povos numa situação de insegurança generalizada.

As Nações (e seus Estados), enquanto lugares próprios para o exercício da democracia e garantes do bem comum, são contornadas e rebaixadas pela globalização.

A globalização em geral e em particular a globalização financeira criou, aliás, o seu próprio Estado.

«Esse Estado mundial é um poder sem sociedade.»(…)«O papel desempenhado pelos mercados financeiros e pelas mega-empresas ,de que ele é o mandatário, faz com que as sociedades realmente existentes sejam sociedades sem poder.» (André Gorz, in “Misérias do presente ,Riquezas do Futuro”) .

A OMC (Organização Mundial do Comércio) tornou-se, desde 1995, numa instituição dotada de poderes supranacionais. Não tem controlo das democracias parlamentares. Interfere nas legislações nacionais nas mais diversas e importantes matérias (ambiente, saúde, direito laboral). Faz Leis e revoga-as.

Só dará por isso quem quiser e quem puder.

As megaconcentrações estão na sua mão.
A banca, a indústria farmacêutica, a indústria química, os media, as telecomunicações, as indústrias agroalimentares e a indústria automóvel, são os sectores mais sensíveis às fusões e aquisições (aos casamentos entre empresas) que se têm verificado nos últimos dez anos, sob a batuta da OMC.

Qual a razão, desta efervescência ?

Os grandes grupos da tríade (EUA, EU e Japão) aproveitando a desregulação da economia real, querem ter uma presença planetária. Procuram ser actores importantes em cada um dos grandes países e deter quotas de mercado significativas. Ao chegarmos ao ano de 2000 vários factores (baixas de taxas de juro, crise asiática de 1997,crise argentina, a capacidade financeira dos fundos de pensões americanos e ingleses, melhor rentabilidade das empresas na U.E. e E.U.A) “doparam” as bolsas ocidentais e provocaram a embriaguês das fusões.

É do jornal “Liberation” a seguinte afirmação, há poucos anos,«A partir de agora, os patrões estão completamente desinibidos»(…)«As trancas do capitalismo tradicional saltam, os pactos mútuos de não-agressão já não têm razão de ser.»

Para os predadores, as fusões apresentam inúmeras vantagens.

Permitem reduzir os efeitos da concorrência aproximando empresas desejosas de dominar de forma monopolista o seu sector. (Foi para não ser acusado de favorecer a reconstituição de «monopólios naturais» que o Governo dos E.U.A. apresentou queixa contra a Microsoft de Bill Gates, por violação de leis “antitrust”.)

O atraso em matéria de investigação e desenvolvimento, pode se recuperado, absorvendo empresas com avanço tecnológico.

Reduzir custos e dispensar trabalhadores constitui outra das possibilidades (a fusão das empresas farmacêuticas inglesas Glaxo e Wellcome traduziu-se em 7.500 desempregos , logo no primeiro ano, 10% do seu activo).

Os Estados são cada vez mais anões e as empresas (algumas) atingem “dimensões titânicas”. Já falámos no papel que Margaret Thatcher, e não só, teve no inicio dos anos oitenta.

Em suma o principal fenómeno da nossa época ,a globalização liberal, não é comandada pelos Estados, mas com ela convivem bem certos dirigentes ou “leaders” de alguns países.

A contestação a dirigentes políticos não é exclusiva dos países democráticos do Norte. Estende-se a Sul. Como se à mundialização financeira respondesse uma mundialização moral. Começou em Seatle, passou por Quebec , Génova...mantem-se anualmente em Porto Alegre e aqui não só para protestar os excessos do neoliberalismo global mas para , de forma construtiva e de espírito positivo , propor um quadro teórico e prático que permita encarar uma mundialização de novo tipo e afirmar que é possível um outro mundo, menos desumano e mais solitário.

Para percebermos a “economia virtual” basta verificar certos aspectos:

a)-diáriamente, cerca de dois mil milhões de Euros têm feito múltiplas idas e vindas, na especulação sobre as variações das taxas de câmbios;

b)-esta instabilidade dos câmbios sempre foi uma das causas da subida dos juros reais, que trava o consumo dos bens de primeira necessidade e os investimentos nas empresas;

c)-alargou os deficits públicos e incitou os fundos de pensões (centenas de milhares de milhões de euros) a exigir das empresas dividendos cada vez mais elevados;

d)-as primeiras vitimas desta “corrida”,ao lucro desmesurado, têm sido os assalariados, cujas dispensas em massa por conveniência das Bolsas, têm feito, até hoje, saltar nestas o valor das Acções dos seus antigos empregadores.


Teria sido urgente “apagar o fogo destes movimentos devastadores de capitais”:

-com a supressão dos paraísos fiscais (off-shores);

-com o aumento da fiscalidade sobre os rendimentos do capital;

-com a tributação das transacções financeiras.

Milhares de milhões de dólares são, “desta forma/off-shore” , subtraídos a qualquer tributação, em benefício dos poderosos e dos estabelecimentos financeiros.
Todas as grandes instituições bancárias do planeta têm sucursais nos paraísos fiscais e daí retiram grandes lucros.

A liberdade total da circulação de capitais desestabiliza a Democracia.

Seria conveniente implementar mecanismos dissuasivos, tais como a «Taxa Tobin», assim chamada pelo nome do prémio Nobel da Economia (em 1974) , o americano James Tobin. E ainda estavamos no ano da revolução dos cravos !

Tributar ,de forma módica, todas as transacções no Mercado de Capitais para os estabilizar e, simultaneamente, para encontrar receitas para a comunidade internacional.

À taxa de 0,1 % ,a Taxa Tobin conseguiria, num ano cerca de 170 mil milhões de euros. Segundo o “Rapport mondiale sur le développement Humain” esta cifra seria duas vezes mais do que o total para erradicar a extrema pobreza em cinco anos. Esse relatório fez recentemente dez anos.

Numerosos especialistas dizem que a implementação desta taxa seria tecnicamente fácil de aplicar.

O Sistema tem soluções.

Curiosamente a organização não governamental (ONG) “ action pour une taxation des transactioms financières pour l’aide aux citoyens” a “Attac”, que já conta com quase cem mil aderentes, actua como um autêntico grupo de pressão cívica para, levar aos parlamentares e aos governos de vários países, em ligação com os sindicatos, organizações culturais, sociais e ecológicas, a reclamação pela concretização efectiva deste imposto mundial de solidariedade.

Curiosamente ainda pela sua acção pedagógica e equilibrada, mas de análise crítica financeira sustentada, por todo o lado, esteve na origem (em 2001) de um dos mais audaciosos projectos de resposta intelectual e social à Globalização : o Fórum Social Mundial de Porto Alegre, já referido.

Então sempre há lugar ao optimismo?Como?

Perceber como e quando chega a ondulação...das marés vivas.

Conscientes do deficit democrático que acompanha a globalização, até defensores do modelo dominante reclamam que se reflicta, com seriedade, para se modificar, num sentido mais democrático, as normas e os procedimentos da Globalização. O próprio Sr.Alan Greenspam, por quem começámos esta trilogia de reflexão, ainda então presidente da Reserva Federal dos E.U.A. afirmava há cerca de dez anos: «As sociedades não podem triunfar quando sectores significativos consideram injusto o seu funcionamento» ( in “Humaniser l’économie” de Jean-Paul Maréchal,2000-Paris)

Perceber como e quando chega a ondulação ...das marés vivas , é ir mais longe que a simples lógica da denuncia dum estado de coisas, é ser capaz de recuperar a confiança na nossa capacidade, agir e inventar um novo discurso, formular novos desafios, novos conflitos e novas maneiras de os tratar.

(*) Acabando com comecei, mas parafraseando W. Shakespear, convirá no entanto ter em atenção:

“A loucura dos poderosos não pode passar sem vigilância”

William Shakespear “real” versus Hamlet “virtual” (Século XVII).

Manuel Duran Clemente
Almadena,25.03.08

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