Nasceu em que ano? Quantos anos tinha
aquando do 25 de Abril?
Nasci em 28 de Junho de 1942,em Almada, na quinta duma
tia que criou a minha mãe, ambas da Galiza. O meu pai António dos Santos
Clemente, nascido em 1915 na Capinha/Fundão, chegou a Capitão ,progredindo numa carreira militar de
excelência.
No 25 de Abril de 1974 eu tinha 32 anos e dois filhos.
Que ligações tem à Beira Interior?
Como já referi o meu pai nasceu na Capinha,filho de pais ligados ao
campo/agricultura e era o único homem irmão de quatro filhas dos meus
avós.Três, dessas minhas tias,sempre viveram na Capinha,Peroviseu e
Fundão.Outra em Lisboa.
Que memórias tem aqui na Beira da sua infância?
Vivi desde os dois anos e até aos onze na vila de Penamacor, onde o meu pai prestou serviço militar e onde viveu quinze anos. Com a família perto eram frequentes os contactos ,com avó, tias e primos, com muitas idas, sobretudo, ao Fundão,Capinha,Covilhã e Castelo Branco.
Relativamente à minha infância e juventude na Beira Interior tenho as mais vivas e belas recordações, não só dos passeios pelas suas belas terras,das suas tradições festivas do Natal e Páscoa, como dos Santos Populares e ainda das romarias da Senhora da Póvoa/Penamacor, Senhora do Incenso/Penamacor e de Santa Luzia/Fundão. Numa iniciativa do Jornal do Fundão recordo que em 1961,com um conjunto de 20 jovens estudantes(rapazes e raparigas), trajados a preceito, embelezámos dois carros de bois, com palmeiras e flores, para a romaria de Santa Luzia e recebemos o primeiro prémio, como constará nos arquivos do J.F..
Falarei por mim,certo de que todos os “militares de Abril” tiveram o seu
percurso.Comecei muito cedo e, já na Academia Militar, a maioridade da minha
formação politica vinda de contactos anteriores com um grupo de amigos de
estudantes liceais e universitários. Fui o primeiro classificado dos meus
cursos, quer nos Pupilos do Exército, quer na Academia Militar. Já na Academia Militar
me tinha manifestado contra o regime e foi o meu bom “curriculum” escolar
anterior que terá evitado a expulsão. Após regresso da minha primeira comissão em Moçambique
(1969 e 1970) iniciei contactos, entre os quais com militares do meu tempo, e
tive das primeiras reuniões com capitães de Engenharia onde estava colocado
(Direcção da Arma de Engenharia) com vista a alterar a situação política.
Estive no 3º Congresso da Oposição Democrática, com mais alguns militares
(todos nós clandestinos). As entidades militares tiveram conhecimento dessa
minha participação e bem assim dum documento que lhes apresentei como censura
da guerra e da situação opressora no país. Tal facto levou a que fosse
antecipada a minha ida para mais uma comissão em Julho de 1973 e para a Guiné
–Bissau. A realidade é que,em
Bissau,onde viria a ser segundo comandante do Batalhão de Intendência da Guiné,
me juntei a alguns capitães que já tinham a ideia de sensibilizar camaradas
seus ,sobretudo capitães, para que se actuasse. A ideia lançada de que a “revolta dos capitães” começou na Guiné não merece
discussão. Têm tanta razão os que a defendem como os outros. A revolta começou
em cada um de nós, o espaço não foi temporal nem fisicamente circunscrito a uma
qualquer latitude, mas de facto a Guiné marcou muito os militares e era
ressonante o seu efeito como um vulcão de conflitos e
desafios.
Efectivamente na Guiné viviam-se tempos favoráveis à reflexão e ao
debate. De forma mais aberta ou mais reservada a contestação convivia com
a humidade e o calor tropicais. As circunstâncias fizeram o resto;
tornaram a colónia da Guiné um laboratório de experiências e de vivências
particulares. Muito pelo seu clima, muito pelo seu tamanho, muito pelo abandono
do colonizador e bastante pela forma de actuação do PAIGC e do seu líder
Amílcar Cabral, cujo pensamento nos apaixonou e guiou a partir de certa altura.
Graças à publicação do celebérrimo Decreto-Lei nº. 353/73 que facultava a “entrada de oficiais do Quadro Especial de Operações no Quadro Permanente (nas
três armas Infantaria, Artilharia e Cavalaria) através de curso intensivo
na Academia Militar” os acontecimentos precipitam-se. A
questão era saber aproveitar o facto. Assim o fez o grupo dinamizador que eu
integrei com os capitães Otelo Saraiva de Carvalho, Jorge Golias, Carlos Matos
Gomes, Sousa Pinto, Jorge Alves e José Barroso (este miliciano).Decidiu-se por
escrever uma “exposição-protesto” ao Presidente da República, Presidente do
Conselho, Ministro da Defesa e Exército, Ministro da Educação e
Secretário de Estado do Exército.
Estava pois criado o ambiente e lavrado o terreno para
o que viria a seguir.
O grupo de trabalho, encarregado de escrever o texto
da mesma, foi constituído pelo recém-promovido Major Almeida Coimbra, Capitães
Teixeira Branco, Duran Clemente e Matos Gomes. Assim se iria, com uma
assinatura colectiva, afrontar os regulamentos.
Havia que explorar com sucesso o” tremor de terra “
que tal diploma causou no seio dos capitães. E assim foi. O núcleo entrou em
acção. Promoveram-se reuniões. Espalhou-se a palavra para os Capitães reunirem
no Clube Militar. Com a data de 28 de Agosto a referida “Exposição” teve as assinaturas de quarenta e seis
Capitães, recolhidas em Bissau e nas guarnições próximas (em 66 capitães possíveis
em todo o território), às quais se juntaram ainda as de quatro Tenentes
(em estágio). De notar que os oficiais subscritores eram de todas as armas e
serviços. O documento e cópias foram enviados, por mão própria, (capitão Ayala Botto), reforçando o envio por
correio registado, para os destinatários. Igualmente nos encarregámos de
comunicar aos Capitães, em serviço no interior, o seu conteúdo e explicar-lhes
a atitude do protesto colectivo, como afirmação frontal
do nosso descontentamento.
A este propósito no seu livro “Alvorada em Abril” é
com oportunidade que Otelo escreve: “ Esta autêntica
manifestação colectiva poderia ter constituído um sério sinal de
alerta para o Regime “ e dizendo ainda “ os jovens leões rugiram, mansos, a
princípio. Ganhando consciência da sua força, foram deitando as garras de fora
e, rugindo mais forte, lançaram-se ao ataque. A partir daí, quem poderia realmente travar
o seu desenfreado galope?”.
Em Setembro, é eleita a primeira Comissão do
Movimento de Capitães , na Guiné (e que daria o nome ao Movimento), constituída por Duran Clemente, Matos Gomes
,Almeida Coimbra e António Caetano ( que mais tarde seria substituído por Sousa
Pinto, o quinto mais votado).
Certamente
impulsionados por nós, reuniram-se em Portugal, em 9 de Setembro, num monte
alentejano em Alcáçovas/Èvora,136 oficiais do Exé rcito (95 capitães,39 tenentes e 2 alferes)e
dali saiu outra “exposição-protesto” com as assinaturas de todos estes
militares e dirigida ao Presidente do Conselho.
Em 4 de Março avisamos Lisboa de que os Majores Casanova Ferreira e Manuel
Monge regressavam à metrópole no dia seguinte e estavam cheios de algum
voluntarismo. Denotavam extrema vontade de intervir. Haveria que dar o melhor
enquadramento à sua dinâmica. Ouve distração do nosso aviso ( já com Vasco
Lourenço nos Açores) e ocorreu o 16 de Março.
Fomos recolhendo informações e sensibilizando os novos oficiais capitães
que foram chegando e até outras patentes de oficiais dos três ramos. Entretanto
em todas as unidades (quarteis) fomos nomeando representantes dos capitães, dos
sargentos e dos praças, como nossos delegados. Em caso de necessidade todo o CITGuiné estava nas nossas mãos.Quem não estivesse connosco seria devolvido a Lisboa como aconteceu com o
General Comando –Chefe e outros por nós interpelados, no dia 26.
Qualquer eventual golpe nosso, na
Guiné, não falharia se o golpe no continente falhasse. Mas é verdade que sempre acreditamos no sucesso dos camaradas em Portugal
com a aprendizagem do falhado e precipitado: 16 de Março.
Quais as principais memórias desse dia?
Aos nossos homens do Movimento colocados em todas as
guarnições da Guiné, e que estavam há dias alertados, foram dadas pela Coordenação
de Bissau a indicação de transmitirem aos comandantes que ou aceitavam a nova “ordem nacional” ou eram
imediatamente substituídos. O poder na colónia era já, e a partir daqui,
do MFA da Guiné. Os contrariados, não aderentes “marcharam” para Bissau.
Embarcariam para Lisboa de avião, dias depois.
De Bissau partimos aos quatro cantos da colónia para
explicar aos militares o ponto de situação e consolidarmos a manutenção da
disciplina e das novas hierarquias tendo por base as delegações do MFA.Fui numa
dessas missões.
O Portugal de hoje nada tem a ver com o Portugal do
antes do 25 de Abril, mesmo tendo em conta que muito falta fazer ,não
esquecendo as bases fraquíssimas de democracia e de desenvolvimento herdadas da
ditadura. Com elas o obscurantismo e a manipulação do conhecimento continuaram
a atormentar-nos. Infelizmente a forte tendência mercantilista, que foi
apanágio da nossa colonização, pouco nos deu em certos sectores e
principalmente na indústria. Há no entanto excelentes esforços feitos nos
últimos quase 50 anos. As taxas de analfabetismo eram de cerca de 40% e
passaram para valores de cerca de 3%,a taxa de mortalidade infantil passou de
38 por mil para cerca de 3 por mil. Institucionalizou-se o Serviço Nacional de
Saúde e da Educação Democrática. Lares sem luz passaram de 36% para 0,3%.Lares
sem água e saneamento básico de 53% para 1,5%.Eleições livres. Salário mínimo e
pensão social. Direito à greve. Subsidio de férias e de Natal, este também para
os reformados. Devolução dos baldios. Direito ao divórcio nos casamentos
católicos. Direitos, liberdades e garantias e tantas outras melhorias no espaço
cultural,material e de infraestruturas.
Há cerca de um mês visitei Castelo Branco,Belgais,
Penamacor,Lardosa, Unhais da Serra,São Miguel dÁcha,Fundão,Belmonte,Sortelha e
Sertã fiquei maravilhado com os seus progressos.
Vejo com muita inquietação este crescimento dos extremismos. Para mim o responsável é o sistema desumano, do capitalismo internacional, que se instalou no globo, descurando a felicidade humana e jogando com ela apenas por interesse material e lucro. A demagogia e o populismo manipulam os mais desfavorecidos e descontentes. Saber mais e melhor é preciso para distinguir oportunismos assaz perigosos..
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Entrevista com Coronel Manuel Duran Clemente,Capitão de
Abril e agraciado elo P.R. com a Ordem da Liberdade,grau Grande Oficial, no
passado dia 19 ,com mais 25 militares empenhados na conspiração e acção para o
25 de Abril de 1974.
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