sexta-feira, 16 de abril de 2021

Evocação dos 50 anos de entrada nos Pupilos do Exército (2003)

 

EVOCAÇÃO

50 anos de entrada  no  PILÃO        (1953-2003)

 Uma primeira palavra de agradecimento à entidade anfitriã aqui representada pelo mandatado do seu Director,  Sr. Coronel  Luís Aguiar.

Nesta cerimónia  sois um pouco o símbolo do que para nós era a Direcção e o corpo de professores e militares (oficiais, sargentos e praças)...

Outra palavra, com o mesmo sentimento e um especial abraço ao Sr. Presidente da APE, Coronel Borges Correia ,que aceitou o nosso convite, sabendo quanto estimamos o que significa a sua presença . Como  Presidente da nossa Associação de ex-Alunos é a  representação do condiscípulo mais velho, a ideia do Pilão mais velho que sempre nos marcou como referência ; referência cheia de significados, de contrastes e até de pontos cardeais dos nossos anseios...

Os mais velhos ,os que íam à nossa frente...fazendo a história do Instituto.

 Aos actuais alunos presentes, obrigado pela vossa presença. Desejamos que todos vós possam chegar, como nós, ao tempo de celebrar semelhante evocação.

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 Encontramo-nos aqui 23  dos 46  então  jovens que há precisamente 50 anos entraram pelos portões desta casa.  Todos  passamos dos sessenta anos de idade...

 São duas as grandes razões que aqui nos trouxeram:

                                            -frequentámos  esta  Escola;

                                            -vivemos cinquenta    anos, depois de nela entrar;

 subsidiariamente, os que aqui estão juntaram a essas principais razões todos os outros motivos para “querer” e  “poder” evocar a data. Quisemos marcar a efeméride. Aqui estamos.

 Chegados aqui  talvez bastasse não dizer nada

quedarmo-nos mudos

trocar abraços

reprimir ou esconder lágrimas e nostalgias.

 Quantos choros abafados viajaram por estes claustros?

Quantas alegrias esbaforidas  por aqui tropeçaram, voando  “chanatos” ?

Quantas brincadeiras ingénuas zaguezaguearam por estas arcadas?

Quantas chuvas e sois nos fustigaram  e estas paredes nos acolheram?

  

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...de cotim,de samarra,de capote,de fato- treino...

...de “numero um “ou de gala..- ...barretinas ao vento... –desfilámos por estes claustros.

 .. estes claustros são “a alma mater” da casa que nos viu crescer.

 Talvez traduzam simbolicamente um pouco a génese desta Escola e nessa perspectiva  recordem os alicerces da  nossa formação interior ...

 Nestes cinquenta anos que comemoramos não é por acaso que é aqui  (nos claustros )que nos encontramos

Nem é por acaso    que  é numa das suas paredes que  ficará ,pelo

 “tempo eterno possível” , na placa que acabámos de descerrar,

 o registo da nossa passagem ,                           com as palavras:

 recordamos com saudade o tempo que passou, a casa que nos educou, os amigos que ficaram, os que já partiram e os laços que nos uniram...

  Os que já partiram:

 32-Humberto Moita       presente

69-Frazão Gouveia         presente

106-Jorge Pimentel        presente

191-Rebordão Brito       presente

 Estes são os nossos que já não pudemos convocar.

Porque os queremos connosco vamos no próximo minuto  

 em silêncio  ,dizer-lhes                 “estais presentes”   .....                                                                         (um minuto de silêncio) 

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 O tempo que passou                                          A casa que nos educou

 Os amigos que ficaram                                     Os laços que nos uniram

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 Do ....tempo que passou,

 são cinquenta anos,

casámos,tivemos filhos,temos netos,           lugar comum... 

 

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 cinco décadas de grandes mutações na vida de cada um e na vida da sociedade...

 -os anos cinquenta da nossa meninice, dum certo isolamento nacional(o orgulhosamente sós) a par da reconstrução europeia/internacional do “pós-guerra”....

 -os anos sessenta da irreverência e do inconformismo, dos Beatles, do Maio de 68, do “é proíbido proibir”, do “make love not war”, das emancipações ...mas também de outras guerras: Ultramar ,Vietnam  ..e “guerra fria”....

 -os anos setenta da grande reviravolta no Portugal de Abril,( nação aberta às suas contradições como país a crescer em Democracia...).com a crise do petróleo a chegar, com as miragens duma nova ordem económica internacional  e das tentativas de emancipação dum sacrificado terceiro-mundo...

 -os anos oitenta do caminharmos para a Europa e das problemáticas no planeta:  explosão demográfica , implosão ecológica... ,espectaculares avanços  tecnológicos e inerentes confrontações...

 -os anos noventa  do nosso deslumbramento  das “sem-fronteiras” na velha Europa,da queda do muro de Berlim,do ruir da “praxis”do socialismo cientifico, das mais expansivas formas de globalização, da incontrolável universalização das informações,do ultra-liberalismo vestido com as  roupagens da velha Liberdade, Igualdade e Fraternidade...

 Foi este o tempo que passou e com ele nós.

 Vimos mudar de Século e de Milénio.Passámos aos anos 2000:uns com muita esperança,outros com menos,se calhar alguns com pouca...mas todos com a certeza de que as crises,as grandes crises despertam as consciências.Obrigam-nos a desejar um mundo melhor:mais fraterno,com menos assimetrias...com uma liberdade mais autêntica.

 Foi este o tempo que passou  (50 anos muito peculiares) e com ele nós.

 Mas connosco também a formação especial que esta casa nos dotou.

                                                                            Da...casa que nos educou. Uma Escola criada com a República. Uma Escola para os que mais dificilmente teriam tido formação secundária e média se  o “Pilão” não existisse. Por isso e não só uma Escola especial ;dela o que se recebe se recebe com uma gratidão singular.

 Se não foi assim para todos foi assim para a maioria dos que por aqui passaram durante muitas décadas. Na maioria éramos filhos de gente humilde e terá sido uma das primeiras lições aprendidas nesta casa :

 

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  o enlaçarmo-nos com a força de que, por virmos de gente humilde, não seriamos por isso “gente menor” ,ao contrário ,aqui aprendemos a ter orgulho de nos fazermos grandes.

 Maiores  em vontade de vencer, em vontade de resistir às adversidade e às dificuldades, numa dinâmica de receber tudo o que a Escola teve para nos dar

qualquer fosse a estação do ano em matéria das crises que a visitavam.

 A Escola sempre teve crises, ciclicamente. Não é coisa só de agora. Delas soube renascer.

Nós sabemos bem as diferentes fases porque cá passámos!

 (Lembram-se do mestre Cuco,da “aviação” quase todos os dias por contraste com os tempos de “la cuisine francaise” do mestre rabanete ...isto como exemplo para ilustrar a referência)

 Por isso, repito, aqui aprendemos a “ter orgulho na vontade de vencer”. Vencer com dignidade sob a égide de QUERER É PODER.

 Tínhamos disciplina, pois tínhamos...Tínhamos regras, por vezes as sentiríamos

exageradas...até eram iguais para todos, desde os que tinham dez anos até aos que tinham dezoito ou mais ...mas foi assim. Mas essa disciplina, essas regras eram eficazes porque integravam valores...aprendemos a respeitar valores.Poderiam não ser os mais correctos, poderiam estar contagiados pela filosofia do Poder “reinante”(estavam com certeza) mas hoje sabemos que assim como a  rebeldia dos jovens que éramos os recebeu(recebeu esses valores,adquiriu sentido das responsabilidades e graus de exigência), também mais tarde a maturidade e formação adquirida, soube interpretá-los no sentido mais justo e equilibrado. Nada é fim em si mesmo. Os valores e princípios que contam são os que interessam à construção duma sociedade onde sejamos mais felizes.

 Pois se hoje se diz que há uma crise de valores. Abençoada Escola que ainda hoje e aqui nos faz recordá-los.

 Da casa que nos educou poderíamos dizer tanta coisa ...mas já todos o sabemos. Foi um universo construído por muitos: oficiais, professores (militares e civis),gente anónima, sargentos, cabos, praças e funcionários. Todos arquitectos de um Pilão melhor; que sempre quiseram o melhor ... o melhor possível.

A nossa passagem(na década de 50) até teve a particularidade de conviver com titulares de notáveis empenhamentos  em reformar o Instituto, em colocá-lo no lugar que ele merecia, no topo duma hierarquia de prestigio, como instituição de ensino, no Portugal de então.

 Sabemos do que estou a falar. Sabemos de quem estamos a pensar.

 Mas deixem-me que vos sublinhe uma particularidade, por pudor ou distracção, muitas vezes esquecida.

A casa que nos educou foi sendo construída por muitos, mas também por nós próprios alunos. Será possível esquecer a quota-parte que tínhamos na sua gestão?

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 Lembram-se da característica particular da auto-gestão que nos estava confiada e da experiência e responsabilidade que isso nos deu, ainda tão “novinhos” ??!! Nós éramos um corpo de alunos com uma significativa percentagem de facetas da nossa vida diária governada por nós próprios: a partir do meio do curso integrávamos (como graduados) o governo da maior parte das nossas actividades e mesmo que de cima ,da cúpula directora ou equivalente, as directrizes alternassem o autoritarismo  com a complacência,  isso sempre estimulou a nossa criatividade ora rebelde ora submissa.Rebeldes ou submissos eramos “malta brava”  Limites, entre os quais, (rebeldia ou submissão) a nossa formação acabava por se fazer .Mas se entre esses limites  fomos cooperantes na construção da  nossa Escola, entre outros limites, nela, nos fomos construindo como pessoas:

 -entre o frio e o calor;                        entre cansaço e fadiga;

-entre discriminação e eleição;        -entre melhor comida nuns dias e pior noutros;

-entre humilhações e elogios;            entre boas e más notas

-entre as saudades,dos pais,e a sua sublimação;

-entre tristezas e alegrias;                  entre justiças e injustiças;

-entre bons professores e menos bons;

-entre preferências e preterições;    -entre militares  melhores e piores;

-entre vitórias e derrotas

-entre ...tantas outras contradições e paradoxos :              verso e reverso

     nos fizemos homens.          A Escola ,  o Pilão” nos tornou adultos e diferentes.

                                        Dos amigos que ficaram que o mesmo será dizer dos amigos que fizemos ou dos amigos que somos e dos laços que nos uniram,(menção também gravada naquela placa) mais do que falar disso será senti-lo nos encontros/desencontros  de que somos protagonistas quer durante a frequência no Instituto quer ao longo destes cinquenta anos.

São de facto circunstâncias de uma vida caracterizada por contradições entre alegrias e sofrimentos,entre sucessos e insucessos, que nos fizeram mais Amigos e que teceram os laços que nos uniram e nos unem.

Às dificuldades ou à dor do companheiro do lado nunca ficávamos indiferentes.

Aí começávamos a erguer as fundações duma Amizade duradoura  e a criar condições para  comungar com ele (companheiro do lado) também alegrias e sucessos...A Escola ,o Pilão ,foi pelo que já antes se referiu natural viveiro de Amizade, de espirito de camaradagem e de cumplicidades sem limites.

  Não sei se todos defendemos a tese de que efectivamente  foram as dificuldades(estas e a superação dos  obstáculos),vividas num meio-ambiente muito particular que nos tornaram mais amigos e solidários e também mais fortes?!

E nessa perspectiva consolidaram laços difíceis de destruir.!!!

Creio que a maioria tem essa ideia. Assim como tem a ideia de que não raras vezes quando nos voltamos a ver ,quando nos encontramos furtivamente, exaltando e gritando as pequenas “histórias” dos bons momentos e das boas recordações, quase sempre omitimos (como se compreende) os momentos maus, de dor ou de insucesso.

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 Repetindo-me ,direi que das coisas boas fantasiamos e das que nos fizeram sofrer  calamos. Assim acontece sobre o que nos separou e assim acontece sobre o que nos dividiu... fruto do sistema, consequência de circunstâncias menos pedagógicas e menos positivas .Também existiam.

Que é isso se não mais do que erguer a amizade e os laços que nos unem?

Que é isso se não mais do que transformar “encontros/desencontros” numa dinâmica de afirmação onde prevalece o positivo, onde prevalecem os princípios adquiridos?

A partir daqui  cada um, à sua maneira, na construção de pequenos ou grandes feitos ,foi construindo um mundo melhor para os  vindouros.

 Vou concluir.

 Estamos em 2003,aos dez dias do mês de Outubro, cinquenta anos depois da nossa entrada no Pilão e noventa e dois anos depois de ele ter nascido...Estará velha a Escola?! Já não serve?! Quiseram acabar com ela?! Quem deixou que estas ideias se firmassem?! Como é possível que num Portugal, com tantos e tão graves problemas no Ensino e na Educação, se tivessem deixado criar condições para que o Instituto sofresse  desgaste e descuido tamanhos?!

O que terá acontecido nos últimos anos para que a  cabeça do “Pilão” quase fosse colocada na guilhotina ??!!

Temos a obrigação de pugnar para que o Pilão continue vivo e,mais, até para que ele volte a ter o lugar que merece numa hierarquia de prestigio, como instituição de ensino, plena de tradições e de serviço prestado ao Desenvolvimento nacional nas vertentes técnica, económica, cultural, cívica ou militar.

Julgo que estamos convictos que temos de perfilhar uma acção coordenada e objectiva. É um desafio para todos os ex-alunos. É um repto para nós que devemos aproveitar esta comemoração  elegendo  este objectivo  para novos e futuros  passos.

Com estes considerandos estou certo interpretar ,como podendo ser  de todos nós ou da maioria aqui presente, a seguinte proposta:

a)- reforçarmos ainda mais o movimento associativo de ex-alunos para que o Instituto continue bem vivo, para que, independentemente dos acertados e mais que justos despachos favoráveis à sua manutenção, a Escola readquira o estatuto que merece, impondo-se por si mesma, em qualidade e dignidade;

b)- aceitarmos a ideia de que tenhamos todos os meses uma confraternização consubstanciada num jantar (que para isso servirá de pretexto)em restaurante e hora a definir.

 Convido-os a votar esta proposta no nosso jantar que se segue na APE.

Obrigado.Obrigado Pilão continuamos-te grato.       QUERER É PODER.

Disse.

                                                   30-Manuel D.Clemente, por mandato da Comissão Organizadora desta comemoração dos 50 anos de entrada no Pilão.

 6-Jeónimo Pamplona,37-António Tavares,57-Júlio Simão,87-José Grilo,123-Viegas Carvalho,133-Fernando Lopes,154-Carlos Subtil,168-Germano Lopes,171-Mário Cotovio,198-Rui Marques, 207-Alexandre Matias,208-M.Barbosa Pereira,231-Isaque Ramos,243-Eugénio Sousa,260-Luis Marreiros,284-Asdrubal Sepulveda,286-Martinho Rodrigues,301-Pedro Pinheiro, 345-Jose Gomes,394-Candido Tavares,396-Manuel Santos,397-Edgar Faustino

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