sábado, 16 de março de 2024

50 anos do 25 Abril intervenção oficial MDC

 

A Revolução de 25 de ABRIL 

 

Quero agradecer o convite, e é com enorme prazer que venho partilhar convosco a alegria de ter contribuído e vivido o 25 de Abril.

 

I - Enquadramento do 25 de Abril na luta da oposição à ditadura e ao fascismo.

 

O 25 de Abril de 1974 não teria sido possível sem a luta desencadeada pela Oposição Democrática a partir do 28 de Maio de 1926, quer à ditadura militar (1926 a1933), quer ao Estado Novo, que Salazar encabeçou durante mais de 40 anos.

Muitos democratas, intelectuais, civis e militares, participaram na luta e sofreram a implacável perseguição da PIDE, pagando com a liberdade e até com a vida, a ousadia de afrontarem o regime. Para fugirem à repressão e perseguições da PIDE, tinham apenas dois caminhos: a clandestinidade ou o exílio.

 

Podemos dividir o movimento de contestação à ditadura em 3 fases, com características diferentes:

 

1 – A Primeira, de 1926 a 1943, marcada por uma oposição pouco organizada liderada por grupos anarquistas que tentaram acções militares. E a partir de 1921 pelo Partido Comunista Português, que se afirmou como a principal estrutura organizada de resistência e oposição à ditadura.

 

2 - A Segunda fase, de 1943 até ao início da década de 60, caracterizou-se por uma oposição bem organizada, em torno do PCP, que realizou um intenso trabalho de consciencialização política junto das populações, na organização e liderança de greves junto do movimento operário e dos assalariados rurais.

 

3 - A terceira fase, iniciada na década de 60 traduziu-se na radicalização e intensificação da resistência e oposição à ditadura, que fez eclodir a luta estudantil, criou as bases de uma Central Sindical unitária (CGTP-IN) e avançou com acções de guerrilha urbana, tendo como alvos, objectivos essencialmente militares.

Recordo aqui algumas dessas acções anteriores à contestação à guerra colonial:

 

Em 22 de Janeiro de 1961, o Assalto ao paquete Santa Maria, com o nome de código “Operação Dulcineia”, levado a cabo pelo Directório Revolucionário Ibérico de Libertação (DRIL) comandado pelo capitão Henrique Galvão, aliado de Humberto Delgado, que teve repercussões internacionais.

 

Em 1961, a tentativa de golpe militar do Gen. Botelho Moniz (Ministro de Defesa), que reunia um grupo de oficiais entre os quais Costa Gomes (Subsecretário de Estado do Exército), decididos a derrubar o governo de Salazar, golpe que fracassou por denúncia do Gen. Kaúlza de Arriaga e do Alm. Américo Tomás.

 

Em 31 de Dezembro de 1961, teve lugar a revolta no quartel de Beja, comandada pelo capitão Varela Gomes e por Manuel Serra como líder civil.

 

Em Fevereiro de 1962, Salazar proibiu as comemoração do Dia do Estudante, e a 24 de Março, os estudantes responderam com uma concentração na Cidade Universitária de Lisboa que foi violentamente reprimida pela polícia de choque. A Crise Académica de 1962 assinalou o despertar para a actividade política de uma geração que, nos anos seguintes, mostraria ser um dos sectores mais activos da resistência ao Estado Novo.

Os estudantes realizaram inúmeras acções de protesto, nomeadamente contra a violência policial, tendo as Academias de Lisboa e Coimbra decretado conjuntamente o luto académico.

 

Com o início da guerra colonial, em 1961, aumentou a contestação ao regime. A oposição engrossou as suas fileiras, com o descontentamento do povo que chorava os seus mortos, os seus mutilados e traumatizados pela guerra colonial. Agravado pelo isolamento internacional, o atraso económico, social e político relativo aos demais países da Europa e do mundo.

Todavia, o Estado Novo contava com apoios de vários sectores da sociedade, das Forças Armadas, da alta burguesia, do clero e de uma massa anónima de analfabetos, que por pressão dos caciques locais apoiava o regime salazarista.

 

Em 1965, no VI Congresso do PCP, Álvaro Cunhal apresentava o relatório RUMO À VITÓRIA, reflexão política que constituiu uma referência para a oposição democrática plasmada numa edição a reler.

 

Em 1967 foi criado o Movimento Associativo da Armada, que integrava vários grupos de trabalho, cujo objectivo era consciencializar os militares da Marinha de Guerra para a luta pela democracia.

 

Em 3 de Agosto de 1968, Salazar caiu da cadeira no forte de Santo António do Estoril, e os traumatismos sofridos impossibilitam-no de continuar no governo, sendo substituído por Marcelo Caetano. Salazar morreu a 27 de Julho de 1970, convencido de que ainda governava Portugal.

Em Abril de 1969, durante a cerimónia de inauguração do edifício das Matemáticas da Universidade de Coimbra, presidida pelo PR Alm. Américo Tomás, o presidente da Associação Académica, Alberto Martins, foi impedido de intervir e a repressão agudizou-se com a prisão de estudantes e o cerco à cidade de Coimbra.

 

Nas eleições legislativas de Outubro de 1969 surge a Ala Liberal integrada nas listas da Acção Nacional Popular (ANP), para mostrar uma certa abertura, mas acabará por abandonar a Assembleia Nacional. Nestas eleições e à semelhança das anteriores, a oposição (CDE, CEUD e CEM) não elegeu qualquer deputado. Os deputados “eleitos” pertenciam todos às listas da ANP.

 

A partir da década de 70 e com a percepção de que a guerra colonial estava longe de acabar e muito menos de ser ganha, nasce um forte descontentamento nas Forças Armadas. A crescente politização dos militares e a recusa do governo em aceitar uma solução política para a guerra, levou a que alguns oficiais percebessem que o fim da guerra passava pelo derrube da ditadura.

 

Em Abril de 1973 realizou-se o 3º Congresso da Oposição Democrática, em Aveiro, amplamente participado e fortemente reprimido, onde estiveram presentes militares do MFA, como eu, juntamente com 12 oficiais da Armada. Neste congresso, surge pela primeira vez a tese dos 3D´s (Democratizar, Desenvolver e Descolonizar) que virá a servir de referência ao Programa do MFA.

 

Em Junho de 1973  realizou-se o Congresso dos Combatentes do Porto, como uma encenação fascista de apoio à guerra colonial, que originou a primeira manifestação de repúdio dos oficiais de carreira que prestavam serviço na Guiné e na metrópole. Agravada pelo Decreto-Lei 353/73, que integrava nos QP’s com o posto de capitão, os oficiais milicianos que a tal se candidatassem.

 

Em Agosto de 1973 realizaram-se três em reuniões na Guiné, com meia centena de oficiais que contestaram o Decreto-lei e aprovaram um documento de objecção colectiva que enviaram às mais altas patentes governamentais e militares. Sendo este o primeiro afrontamento dos militares ao poder, que originou a eleição da 1ª Comissão de Capitães.

 

A 9 de Setembro de 1973, na reunião de Alcáçovas/Évora, 136 oficiais do Exército contestam o Decreto-Lei 353/73 e solidarizam-se com os 51 oficiais da Guiné. Seguem-se reuniões e idênticas tomadas de posição pelos oficiais em serviço em Angola e Moçambique. E assim estava criado o Movimento dos Capitães.

 

As reuniões conspirativas seguiram-se, e passou a ser consensual entre os militares da Guiné, de que a única saída para a guerra colonial era o derrube do regime, através de um golpe militar. E assim nasceu o Movimento das Forças Armadas – MFA.

 

A 7 de Fevereiro de 1974, no primeiro encontro entre o Exército e a Marinha, realizado no continente (Maj. Melo Antunes e Com.dtes Martins Guerreiro e Almada Contreiras), criou-se um grupo de trabalho para definir e elaborar o Programa do MFA. Sendo um primeiro esboço apresentado no início de Março.

 

Em 22 de Fevereiro, o Gen. António de Spinola, publicou o livro “Portugal e o Futuro”, onde advogava uma solução política e não militar para o fim da guerra colonial.

Como resposta, o governo marcelista, promoveu a organização de uma cerimónia de apoio das altas patentes militares ao regime, que ficou conhecida pelo “Beija-mão da Brigada do Reumático”. Os generais Costa Gomes e Spínola, e o Almirante Tierne Bagulho não compareceram à cerimónia.

 

 

A 5 de Março de 1974, na reunião de Cascais foi aprovado o documento elaborado por Melo Antunes em cooperação com oficiais de Marinha e alterações introduzidas por Costa Brás, designado por “O Movimento, as Forças Armadas e a Nação”, que viria a originar represálias sobre os oficiais: Vasco Lourenço, Carlos Clemente transferidos para os Açores, Antero Ribeiro da Silva para a Madeira e David Martelo para Bragança.

 

A 14 de Março o Governo demitiu os Generais Francisco da Costa Gomes e António de Spínola, respectivamente dos cargos de Chefe e Vice-Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas, alegando falta de comparência na cerimónia de solidariedade com o regime, levada a cabo pelos três ramos das Forças Armadas. E a demissão dos dois generais foi determinante na aceleração das operações militares contra o regime.

 

A 16 de Março, pressionado por os militares regressados da Guerra Colonial, majores M Monge e Casanova Ferreira (apesar dos avisos de Bissau de Duran Clemente) o major Otelo SC precipita um golpe e o Regimento de Infantaria nº 5 das Caldas da Rainha, aavança para Lisboa, sob o comando do capitão Piedade Faria. No acto isolado, o seu avanço foi contido por unidades leais ao regime às portas de Lisboa. E cerca de 200 homens, entre oficiais, sargentos e praças, foram detidos. Os oficiais foram encarcerados na Trafaria e libertados no dia 25 de Abril.

 

Na madrugada de 25 de Abril de 1974, através da rádio foram emitidas as senhas que desencadearam as operações. Os militares saíram de vários pontos do país em direcção a Lisboa, cumprindo um arrojado plano de operações.

Uma coluna militar de tanques, comandada pelo capitão Salgueiro Maia, saiu da Escola Prática de Cavalaria, em Santarém, e ocupou o Terreiro do Paço em Lisboa, recebendo depois…ordens (do Posto de Comando) para se dirigir para o quartel do Carmo, onde se tinha refugiado Marcelo Caetano, que acabou por se render. O golpe militar não fez vítimas, mas a PIDE/DGS, que ainda resistia na sua sede da António Maria Cardoso, assassinou 4 jovens civil que se manifestavam na rua.

 

A Revolução de Abril não foi só uma madrugada, não foi só um dia, não foi só um momento, foi um processo revolucionário que conduziu à instauração de um regime democrático, onde às liberdades políticas se associaram as conquistas indispensáveis ao desenvolvimento do país e à consolidação da liberdade e da democracia.

 

Abril trouxe o fim da guerra colonial, o direito do povo português decidir o seu destino, a afirmação do Poder Local Democrático, os direitos sociais e laborais, a justiça social, a paz e a independência nacional.

 

Deu-nos a Constituição da República Portuguesa, uma das mais avançadas do mundo, que ainda nos protege dos atentados de governos neoliberais que intentam contra os direitos dos cidadãos.

 

II - O 25 de Abril e a Constituição da República Portuguesa de 2 de Abril de 1976.

 

Não é possível falar do 25 de Abril sem falarmos da Constituição da República Portuguesa. Por serem duas realidades indissociáveis!

Um camarada, infelizmente já desaparecido, disse um dia: “se queres saber o que foi a Revolução de Abril, então lê a Constituição da República Portuguesa de Abril de 1976”.

Apesar das sucessivas revisões feitas por diferentes forças governativas, em 1982, 1989, 1992, 1997, 2001, 2004 e 2005, que vieram permitir rudes golpes na Soberania Nacional. A CRP continua a ser uma das mais democráticas e avançadas da Europa e do Mundo e o garante da defesa do país e do cidadão!

A título de exemplo referiremos alguns dos direitos dos cidadãos:

 

*Artigo 21.º - Direito de resistência

*Artigo 24.º - Direito à vida

*Artigo 34.º - Inviolabilidade do domicílio e da correspondência

*Artigo 53.º - Segurança no emprego

*Artigo 58.º - Direito ao trabalho

*Artigo 59.º - Direitos dos trabalhadores

a. Todos os trabalhadores têm direito:

1. À retribuição do trabalho de forma a garantir uma existência condigna;

2. Ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas;

3. À assistência material, quando involuntariamente se encontrem em situação de desemprego;

 

*Artigo 64.º - Saúde

1. Todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover.

a) Através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito;

 

III – Os Militares e a Paz

 

Os militares estiveram sempre presentes em todas as tentativas de derrube do fascismo. Destas tentativas, o 25 de Abril de 1974 triunfou, como obra de militares e do povo, como monumento à justiça social, à paz e à independência nacional.

 

O 25 de Abril pôs fim a uma guerra colonial de 13 anos que ceifou a juventude portuguesa e a juventude dos povos colonizados, num confronto fratricida que deixou marcas de dor e sofrimento para sempre.

 

O Programa dos 3D’s, anunciado pelo MFA ao Povo Português, realçava bem, no Descolonizar, a importância da Paz em Portugal e no mundo. Essa vontade foi inscrita no artigo nº 7 – Relações Internacionais, da Constituição da República Portuguesa:

 

1. Portugal rege-se nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional, do respeito dos direitos do homem, dos direitos dos povos, da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos internacionais, da não ingerência nos ssuntos internos dos outros Estados e da cooperação com todos os outros povos para a emancipação e o progresso da humanidade.

 

2. Portugal preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos, bem como o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos.

 

3. Portugal reconhece o direito dos povos à autodeterminação e independência e ao desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todas as formas de opressão.

 

4. Portugal mantém laços privilegiados de amizade e cooperação com os países de língua portuguesa.

 

5. Portugal empenha-se no reforço da identidade europeia e no fortalecimento da acção dos Estados europeus a favor da democracia, da paz, do progresso económico e da justiça nas relações entre os povos.

Graças ao 25 de Abril, Portugal é obrigado pela sua Constituição a empenhar-se na causa da PAZ!

 

CONCLUSÕES:

 

O MFA elaborou um programa, que cumpriu.

 

Derrubámos o fascismo, fizeram-se eleições e o poder foi entregue à sociedade civil, fez-se a descolonização, e foi posto em marcha o motor do desenvolvimento.

 

Com o apoio das massas populares avançámos para uma sociedade mais justa, mais fraterna e igualitária.

 

Elaborou-se a Constituição da República, a nossa lei fundamental, que reconheceu e consagrou, no plano jurídico, as grandes transformações revolucionárias do 25 de Abril, realização histórica do povo português, acto de emancipação social e nacional, um dos mais importantes acontecimentos da história de Portugal.

 

O Portugal de hoje nada tem a ver com o de há 50 anos. Mas falta ainda muito por fazer, e nada está adquirido.

Somos poucos, é certo. Mas temos de continuar a lutar por uma sociedade de Abril, realmente Livre e Democrática.

 

Viva o 25 de ABRIL! E Viva o Povo Português!

 

Manuel Duran Clemente (Abril 2004)

 

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