segunda-feira, 7 de junho de 2021

 IPE  60º aniversario de entrada

EVOCAÇÃO (intervenção)

 

Os 60 anos de entrada no PILÃO (1953-2013)

 

 

Uma primeira palavra de agradecimento ao actual Director do nosso Pilão, Sr. Coronel Miranda Soares. De agradecimento pela gentileza da sua recepção, do seu acolhimento, pela visita que nos proporcionou e pelas suas palavras de ânimo e esperança. Obrigado.

                                                                                                                         

 

Outra palavra, com o mesmo sentimento e um especial abraço ao Presidente da nossa Associação de ex-alunos, caro Américo Ferreira. A nossa Associação sendo o prolongamento da nossa vida e memória no Pilão é um instrumento fundamental na persecução do necessário apoio aos seus associados [diria que a todos os Pilões] é, como nunca, um indispensável apoio ao Instituto como à continuação da sua vida!

 

Ao aluno comandante de batalhão, Rachid Pachir, obrigado pela presença. Peço-te transmitas a todos os alunos o nosso desejo de que possais chegar, como nós, ao tempo de celebrar semelhante evocação.

 

Aos ex-alunos, contemporâneos ou não, que nos honram com a sua presença e participação, o nosso igual bem-haja. E bem assim aos familiares presentes, do falecido Luís Marreiros e do António Tavares a nossa solidariedade na dor dos seus e nossos entes queridos.

 

                                                      .........  **  .......... 

 

Encontramo-nos presentes  17 ex-alunos, tendo já falecido 10, dos  então 46  jovens que há precisamente 60 anos entraram pelos portões desta casa.  Todos passamos dos setenta anos de idade...São duas as grandes razões que aqui nos trouxeram:

 

   -frequentámos  esta  Escola e  vivemos sessenta anos, depois de nela entrar, mas

subsidiariamente, os que aqui estão juntaram a essas principais razões todos os outros motivos para “querer” e  “poder” evocar a data. Quisemos marcar a efeméride. Aqui estamos.

 

Chegados aqui, talvez bastasse não dizer nada,

quedarmo-nos mudos, trocar abraços, reprimir ou esconder lágrimas e nostalgias.

 

Quantos choros abafados viajaram por estes claustros?

Quantas alegrias esbaforidas por aqui tropeçaram?

Quantas brincadeiras ingénuas ziguezaguearam por estas arcadas?

Quantas chuvas e sois nos fustigaram e estas paredes nos acolheram?

 

 

Já o dissemos há dez anos, difícil era, não o repetir hoje; não repetir que

… recordamos com saudade o tempo que passou, a casa que nos educou, os amigos que ficaram, os que já partiram e os laços que nos uniram...

  

 

Nestes sessenta anos que comemoramos não é por acaso que é aqui, nos claustros, na “alma mater” da casa que nos viu crescer que nos encontramos, nem é por acaso que é numa das suas paredes que ficará outro registo da nossa evocação:

 

 

Sessenta longos anos passaram…

Da etapa que marcou as nossas vidas.

Amigos – os que partiram e os que ficaram,

Aos vindouros, legamos esperanças merecidas!

 

 

Amigos que partiram, mais seis que há dez anos: 32-Humberto Moita,37-António Tavares,69-Frazão Gouveia, 96-Carlos Mendonça, 106-Jorge Pimentel,168-Germano Lopes,191-Rebordão Brito, 231-Isaque Ramos,260-Luís Marreiros,  396-Gaspar Santos  

 

Estes são os nossos que já não pudemos convocar. Mas porque vos queremos connosco, dizemos: “estais presentes” . No próximo minuto elevamos a vossa memória no silêncio da saudade.

                                                                                                  (um minuto de silêncio) 

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Sessenta longos anos passaram…

 

Seis décadas de grandes mutações na vida de cada um e na vida da sociedade...

 

Foi este o tempo que passou e com ele nós.

 

Vimos mudar de Século e de Milénio. Passámos aos anos 2000: uns com muita esperança, outros com menos, se calhar alguns com pouca...mas todos com a certeza de que as crises, as grandes crises despertam as consciências. Obrigam-nos a desejar um mundo melhor: mais fraterno, com menos assimetrias...com uma liberdade mais autêntica.

 

Foi este o tempo que passou (60 anos muito peculiares) e com ele nós.

                     

 

 Da etapa que marcou as nossas vidas.

 

                                                     Da...casa que nos educou. Uma Escola criada com a República. Uma Escola para os que dificilmente teriam tido formação secundária e média se o “Pilão” não existisse. Por isso e não só uma Escola especial; dela o que se recebeu se recebeu com uma gratidão singular.

 

Na maioria éramos filhos de gente humilde e terá sido uma das primeiras lições aprendidas nesta casa: construirmo-nos na força de que, por virmos de gente humilde, não seriamos por isso “gente menor”, ao contrário ,aqui aprendemos a ter orgulho de nos fazermos grandes.

 

Maiores  em vontade de vencer, em vontade de resistir às adversidade e às dificuldades, numa dinâmica de receber tudo o que a Escola teve para nos dar

qualquer fosse a estação do ano em matéria das crises que a visitavam.

 

A Escola sempre teve crises, ciclicamente. Não é coisa só de agora. Delas soube renascer.

Nós sabemos bem as diferentes fases porque cá passámos!

 

Por isso, repito, aqui aprendemos a “ter orgulho na vontade de vencer”. Vencer com dignidade sob a égide de QUERER É PODER.

 

Tínhamos disciplina, pois tínhamos. Tínhamos regras para todos, desde os que tinham dez anos até aos que tinham dezoito (ou mais anos) mas foi assim. Mas essa disciplina, essas regras eram eficazes porque integravam valores. Aprendemos a respeitar valores. Poderiam não ser os mais correctos, poderiam estar contagiados pela filosofia do Poder “reinante” (estavam com certeza) mas hoje sabemos que assim como a rebeldia dos jovens que éramos os recebeu (recebeu esses valores, adquiriu sentido das responsabilidades e graus de exigência), também mais tarde a maturidade e formação adquirida, soube interpretá-los no sentido mais justo e equilibrado. Nada é fim em si mesmo. Os valores e princípios que contam são os que interessam à construção duma sociedade onde sejamos mais felizes.

 

Pois se hoje se diz que há uma crise de valores. Abençoada Escola que ainda hoje e aqui nos faz recordá-los.

 

Da casa que nos educou poderíamos dizer tanta coisa mas já todos o sabemos. Foi um universo construído por muitos: oficiais, professores (militares e civis),gente anónima, sargentos, cabos, praças e funcionários. Todos arquitectos de um Pilão melhor; que sempre quiseram o melhor, o melhor possível.

A nossa passagem (na década de 50) até teve a particularidade de conviver com titulares de notável empenhamento em reformar o Instituto, em colocá-lo no lugar que ele merecia, no topo duma hierarquia de prestígio, como instituição de ensino, no Portugal de então. Houve lugar à inovação e à tomada de maior consciência social. E não só isso, houve um notável esforço para acabar com a traumática desigualdade comércio/industria…muito sentida e sofrida por todos nós na década referenciada. Nunca deve ser esquecido o Coronel Ferreira Gonçalves, então Director, figura central desse empreendimento a par do ajustamento da melhoria de condições à dignidade merecida pelo Pilão. 

 

Mas também nós -os próprios alunos- fomos obreiros da construção da nossa casa e de cada uma das épocas nela vivida. Será possível esquecer a quota-parte que tínhamos, no dia à dia, na sua gestão?

 

Rebeldes ou submissos eramos “malta brava”. Limites entre os quais -rebeldia ou submissão- a nossa formação acabava por se fazer. Mas se entre essas margens fomos cooperantes na construção da nossa Escola, entre outras fronteiras, nela, nos fomos construindo como pessoas:

 

-entre tristezas e alegrias;                

-entre justiças e injustiças;

-entre preferências e preterições;   

-entre vitórias e derrotas

-entre, tantas outras contradições e paradoxos, verso e reverso, nos fizemos homens.         

 

A Escola,  o Pilão” nos tornou adultos e diferentes.

    

 

Amigos – os que partiram e os que ficaram,

 

                                    Amigos, que o mesmo será dizer dos amigos que fizemos ou dos amigos que somos e dos laços que nos uniram mais do que falar disso será senti-lo nos encontros/desencontros  de que somos protagonistas quer durante a frequência no Instituto quer ao longo destes sessenta anos. Quer mesmo quando, ano após ano, a vida de alguns se esfuma e nos afaga a saudade eterna.

 

São de facto circunstâncias de um tempo vivido caracterizado por contradições entre alegrias e sofrimentos, entre sucessos e insucessos, que nos fizeram mais Amigos e que teceram os laços que nos uniram e nos unem.

 

Às dificuldades ou à dor do companheiro do lado nunca ficávamos indiferentes.

Aí começávamos a erguer as fundações duma Amizade duradoura e a criar condições para comungar com ele (companheiro do lado) também alegrias e sucessos...A Escola, o Pilão, foi pelo que já antes se referiu natural viveiro de Amizade, de espirito de camaradagem e de cumplicidades sem termo.

 

 

Erguemos a amizade e os laços que nos uniram e ainda nos unem. Soubemos transformar os “encontros/desencontros” numa dinâmica de afirmação onde prevalece o positivo, onde prevalecem os princípios adquiridos.

 

A partir daqui cada um, à sua maneira, na construção de pequenos ou grandes feitos, foi construindo um mundo melhor para os vindouros.

 

 

Aos vindouros, legamos esperanças merecidas!

 

Aos vindouros…podemos repetir : “Vimos mudar de Século e de Milénio. Passámos aos anos 2000:uns com muita esperança, outros com menos, se calhar alguns com pouca...mas todos com a certeza de que as crises, as grandes crises despertam as consciências. Obrigam-nos a desejar um mundo melhor: mais fraterno, com menos assimetrias...com uma liberdade mais autêntica.”

 

Nós mais velhos estamos disso convencidos e apesar dos fustigantes ventos que sopram…. aos vindouros legamos as esperanças que bem merecem, e todos merecemos, numa verdadeira sociedade democrática.

 

Vou concluir.

 

Estamos em 2013, sessenta anos depois da nossa entrada no Pilão e cento e dois anos depois de ele ter nascido...

 

Estará velha a Escola?! Já não serve?! Quiseram acabar com ela?!

Tem havido força e coragem para convencer os decisores da razão que assiste à continuidade e dignificação do Instituto. Estaremos gratos aos ex-alunos e a todos que se têm empenhado nessa ciclópica tarefa, permitindo-nos destacar a nossa Associação( a n/APE) e as últimas direcções do IPE .

 

Mas houve luta….e essa luta continua.

 

Temos a obrigação de pugnar para que o Pilão continue vivo e, mais, para que ele volte a ter o lugar que merece numa hierarquia de prestígio, como instituição de ensino, plena de tradições e de serviço prestado ao Desenvolvimento nacional nas vertentes técnica, económica, cultural, cívica ou militar.

Julgo que estamos convictos que temos de perfilhar uma acção coordenada e objectiva. É um desafio para todos os ex-alunos. É um repto para nós que devemos aproveitar esta comemoração elegendo como objectivo para novos e futuros passos:

-o reforçar ainda mais o movimento associativo de ex-alunos para que o Instituto continue bem vivo, para que, independentemente dos acertados e mais que justos despachos favoráveis à sua manutenção, a Escola readquira o estatuto que merece, impondo-se por si mesma, em qualidade e dignidade;

 

Obrigado. Obrigado Pilão continuamos-te grato.       QUERER É PODER.

Disse.

                                               

    30-Manuel Duran Clemente,

 

[por mandato da Comissão Organizadora desta comemoração dos 60 anos de entrada no Pilão.]

 

6-Jeónimo Pamplona,57-Júlio Simão, 82- Moura Canteiro,133-Fernando Lopes,154-Carlos Subtil, ,198-Rui Marques, 207-Alexandre Matias,208-M.Barbosa Pereira,243-Eugénio Sousa,274-Miranda Ferreira,284-Asdrubal Sepulveda,286-Martinho Rodrigues,301-Pedro Pinheiro,324-António Fonseca,394-Candido Tavares, 397-Edgar Faustino.

 

Instituto dos Pupilos do Exército, aos 1 de Novembro de 2013.

 

 

 

 

quinta-feira, 3 de junho de 2021

Talvez o azul Tejo

 Desabafar com o mar da Palha...digo eu!

....................................................................................Talvez o azul tejo
Partilhado de Rita Blanco Clemente:
Encontrei um banco onde posso empoleirar os meus pés enquanto me deito a escrever por cima de uma mesa à sombra duma árvore (sem ter de consumir absolutamente nada!). O horizonte para lá do rio azul Tejo está tão nítido quanto se consegue avistar os diferentes recortes das habitações da margem Sul.
Corre uma aragem e ouve-se o vento nas folhas das árvores. De repente todos parecem esquecidos das máscaras e cada um ocupa o seu diferente lugar absolutamente natural. A passagem das nuvens e o movimento das pessoas parece não parar e cada instante revela um momento novo. Passou o verão sufocante e construímos o espaço em que os novos dados naturais nos deixam ser aquilo que tentamos desde sempre fazer.
Ontem vi um filme de um homem sobre uma mulher. Uma mulher que morrera, mas para ele ainda não. Um homem raro capaz de distinguir os cambiantes no olhar de uma mulher. Passa um barquinho lá longe no rio e este filme cru em que a câmara treme nas mãos de um homem verdadeiro que procura na câmara, no outro, no além a força para resistir, faz-nos parar. Saímos do filme e não há distracção ou consumismo possível: este filme, a câmara deste realizador fala verdade e dor. Há, portanto, a cada passo também uma procura e há imagens (como a última) que o próprio anuncia como imagem. “Era” verdade, mas transforma-se em película e o realizador mostra-o como que à medida que disso toma consciência. Uma imagem freudiana poderia já lhe ter dito algo, mas agora, depois da morte da sua mãe, não passava duma imagem absolutamente insuficiente para explicar o seu estado.
O filme chama-se “Irene” e o realizador Alain Cavalier. O meu local, bancos e mesas de pique-nique do Miradouro de S. Pedro de Alcântara, dia 8 de Setembro. 2020
Rita Clemente

quarta-feira, 2 de junho de 2021

 Partilhado de Rita Blanco Clemente.

As gaivotas deixam-nos suas grandes penas no areal da Costa da Caparica
Penas por estarmos na praia e não a lutar pelo Ser Vivo cada vez mais consumido. Por quanto mais tempo fugiremos para a Costa e para esses locais menos humanizados onde descanse o nosso silêncio e com ele ganhe espaço a natureza? Penas por nossos erros. Penas por justiça. Penas que reescrevem a verticalidade levantada de sua queda. Penas que um dia permitiram às aves voar e planar certamente sem demasiado pesado penar.
Sem condições monetárias para ir mais longe e por mais tempo aproveitamos um pouco de dinheiro que ainda tenhamos e uma folga às nossas preocupações e também pela nossa saúde corremos à Costa. A Costa permanece aquele local despretensioso onde a diversidade da classe média da área metropolitana de Lisboa ainda tem lugar para se encontrar. Ainda há os pescadores ao fim do dia entre um mar vivo bem particular e uma encosta trabalhada pelo tempo a guardar uma vegetação de savana por entre esta enorme estrada de areia onde um pequeno comboio pode aparecer escancarado ao vento a dizer-nos que a liberdade é possível.
A praia traz-nos a cada novo verão as suas surpresas e neste ano de 2011 podemos observar aqui e ali na Costa da Caparica grandes penas deixadas por gaivotas, este ano aqui, bem ao lado das toalhas onde estendemos o nosso descanso, onde sentimos o peso do nosso corpo, a imensidão do céu o calor reconfortante do sol que tanto nos abraça sem nada pedir ou exigir em troca. Aqui estamos no mar, no sol, no céu e na areia e cada um desses elementos está em nós tão naturalmente quanto nos sentimos uma parte integrante disso que vive. Que nos dirão estas penas tão pouco dadas a poderem passar despercebidas? São grandes, são penas que mais parecem plumas de aparo e são das tão altivas gaivotas, a planar como ninguém e sempre à espreita daquilo que homens por Lisboa fazem. Espreitam muito, de facto, e se repararmos apresentam, contrariamente aos animais mais afectivos e pitorescos, um ar sério, muito pouco certo daquilo que por cá se faz. Espreitam e de novo se vão embora. Voltarão elas sempre? Virão elas dizer-nos onde encontraremos peixe quando percebermos que este morre e não é repetível que nem gémeos ad infinitum?
A praia esse imenso infinito onde nos dias mais invernosos apenas encontramos as gaivotas com a sua presença muito leve mas cada vez mais alerta. Aí, onde o nada parece habitar, passa numa quietante e séria liberdade o branco muito branco destas aves que certeiramente escolhem o seu alimento entre a pureza do céu e a pureza do mar num gesto integrado que parece tão mais alcançado e além do humano que insiste em procurar dominar aquilo que lhe escapa e com o qual jamais poderá estabelecer uma relação de domínio porque esta restringe, limita, prende e fixa e a vida é precisamente o enorme, o livre e o movimento. Tal como a gaivota que encontra o seu peixe fresco, imbuído de iodo, e o faz num gesto muito certeiro e vertical, tal como um bailarino que não procura o equilíbrio mas nele entra num simples instante, também a nossa relação com este cosmos que nos envolve me parece também dever ser um pouco mais deste género: um entrar numa espécie de fio vertical que se cria e de repente sermos, para além de nós próprios, muito leves, mas certos. Tudo é muito mais complexo que uma relação onde apenas há força a dominar, manipular, perverter, usar, prender, reduzir, uniformizar, matar. Quando a força se ausenta somos maiores, diversos, completos, livres e justos.
No verão as gaivotas afastam-se da multidão que parece impedi-las de ser, um pouco incomodadas só aparecem por vezes lá para o final do dia. Então, e porque nos deixam elas este ano suas enormes penas no areal? Por um qualquer problema de saúde que as leve a perder mais penas, talvez por encontrarem menos peixe ou tão somente por o vento as trazer este ano para mais perto de nós, o que é certo é que lá estão e que a mim logo me fazem lembrar plumas de aparo: bastará cortar-lhes a ponta e por serem ocas absorverão tinta com que poderão desenhar, escrever, registar, abrir caminhos de algum céu pelo areal. Muito batidas pelo mar as margens inicialmente rochosas vão nesse vai e vem da água se transformando em areia. Nesta areia subtil, que o vento vai levando para aqui e ali, poderemos escrever, marcar o nosso espírito e deixar que de novo o mar e o vento levem nossas letras ser, pela luz, pequeninas estrelas que quem sabe um dia se juntarão às estrelas que do céu nos alimentam. Que letras escreveremos nós nesta areia, local de passagem entre a rocha e o mar, entre o ir e o ficar?
Neste momento difícil em que mal nos sentimos respirar, a alta velocidade e sem janelas, persistindo no domínio do humano e de sua natureza em vez de abrirmos o caminho de sua criação, verdade e justiça. Neste momento poderemos também ao olhar para estas penas perguntarmo-nos pelo que penamos nós afinal? Que erros teremos cometido para termos estes castigos? Impulsionámos, contribuímos, pactuámos ou sujeitamo-nos a este mundo contra-natura? Estamos contra a natura ou dela nascemos e por e com ela lutamos e trabalhamos? Penamos? E pelo quê? Esquecemos o espírito, o ar e a liberdade e quisemos ser apenas matéria, segurança e prisão. Não quisemos estar sós. Perdemos nossa interioridade, nossa contemplação e nosso perscrutar, nossa lentidão e enamorar, o nosso estar alerta e nossas dúvidas. Tantas são as horas e tão eternamente lento é o movimento do universo. Que ridículo é o humano com tanta pressa sob o olhar eterno das estrelas.
Por favor! Agora que o consumo se torna mesmo impossível, agora que os objectos mais do que nunca se desfazem de tanta inconsistência, agora que as administrações se sucedem umas atrás das outras impunes à responsabilidade de seus operários e que fortunas se condensam e divertem povos inteiros com os mais variados desportos afins, agora que a alimentação, a saúde, a educação e a criação são confundidas com experiências de laboratório onde o humano em nada se implica mas permanece friamente à distância desmembrando e esvaziando a vida de seu suco. Não chegou finalmente o tempo de pensarmos que tudo aquilo que é feito de um modo no momento em que é feito não pode mais ser feito de esse modo que de outro e que somos finalmente também nós responsáveis de nossas penas. E nós que fazemos? Pelo que lutamos? Que valem nossas vidas? Pelo que nascemos? Pelo que poderemos antes sofrer as penas de uma pena que procurando cair certa do céu vai ao fundo do real para endireitar tanta afronta. Que as nossas penas sejam outras! Não as de nos sujeitarmos, mas de lutarmos. Se nos sujeitamos ficamos sem perceber porque nascemos. Se lutamos fazemos por aquilo em que acreditamos, recuperamos sentido, justiça.
Face às penas do sofrimento podemos ver então nestas penas, não a prisão de estarmos imóveis, dependentes de tudo e sem nada disso de que nos tornamos dependentes, mas antes a memória do voo e da liberdade alimentada por momentos a pique em que uma pena é justiça porque não se deixa enredar por retrocessos à verdade mas a alcança de uma ponta à outra fazendo intervir mais do que um raciocínio dedutivo perante a multiplicidade de letras que nos constituem, por elas e por um discurso que se queira sagrado. Pelo nosso espírito. Juntemo-nos e optemos por um pouco melhor: qualidade ou espessura, respeito pela vida, suas necessidades, sua interioridade.
Lisboa, 7 de Setembro de 2011
Rita Clemente
Tu, Madalena Brito, Manuel Filipe e 10 outras pessoas
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Adoro
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