Rita Blanco Duran Clemente 2021
«Quando penso em felicidade ainda penso nos fins-de -semana e férias que passei na minha infância num antigo estábulo transformado para habitação perto da aldeia do meco. A minha mãe não tinha carro e chegar lá era uma aventura que implicava apanhar o comboio, atravessar o rio, apanhar o autocarro e fazer uma caminhada a pé com os cães da aldeia. Felicidade era andar de bicicleta pelas estradas de terra batida, brincar no pinhal e nas figueiras, imaginar bruxas e duendes, fazer a minha casa ao ar livre, andar descalça, assistir ao despontar da horta, cozinhar grelhados no carvão. Felicidade era o amanhecer de prados de flores amarelas e um burro lá longe através dos quatro vidrinhos da minha janela. Felicidade era virem-nos deixar pão quente e laranjas à porta. Sempre que imagino a felicidade regresso a este local onde me deixava enrolar nas ondas, onde me cobria de argila e onde as dunas para mim eram as pirâmides egípcias, onde o meu pai fazia flores da prata dos maços de cigarros e colheres das tampas dos iogurtes. Penso nos filhos que gostaria de ter tido num local assim. De lhes dizer que o conhecimento é a coisa mais fascinante e que nunca acaba. Que gostaria de correr e trocar gargalhadas com eles, de lhes dizer que as pessoas mais belas e excelentes acabam sempre sozinhas, que aprendam linguas e viajem, sejam simples e se comovam com as coisas belas, que sejam estrelas pequeninas no universo. Nessa estrada de terra batida em que a minha mãe virou uma papoila ao contrário e me mostrou uma menina vestida de vermelho, com esse encanto que só ela tem, imagino-me ainda com os meus filhos que já não terei, ai onde na liberdade e na natureza, na maior das simplicidades, fui feliz.»