quarta-feira, 17 de junho de 2020

Belissimo texto da Rita, minha filha:partilhado.  Junho 2020

[Estudou balett no Conservatorio de Lisboa,em Paris,em Cannes e em Bucareste. Interrompeu. Adora a dança. Licenciou-se em Filosofia na Univ.Nova]


«Improvisava-se em palcos de história antiga e gasta, estudava-se e criava-se. Já éramos vegetarianos e viajava com aquele pequeno grupo de Teatro numa carripana de aldeia em aldeia. Nas aulas de improvisação escolhi um actor grande e com ele dancei como se ele fosse uma árvore. Era o... meu confidente e contava-lhe imensas histórias. Guardo dele a Momo de Michael Ende onde uma menina escapa à perseguição andando muito mais devagar do que quem a perseguia, noutro tempo. Há assim outros tempos. Maravilhosos outros tempos de uma alma tão especial. Lembro os ensaios de voz por entre o cheiro a bafio das salas de ensaio. Lembro os ensaios de expressão corporal. Era tão bom estar entre aquelas pessoas com corpo que faziam sacos de antigas calças e que traziam restos dos restaurantes onde trabalhavam. Pessoas muito inteiras. Daí fui parar ao Conservatório eu e mais as minhas pernas que não sabia ainda bem onde pôr. Lembro o som do piano a ecoar naqueles estúdios vazios. A música era um fascínio. Tão tímida me descobria e me perdia no espelho à frente do qual sozinha acreditava na vitória. O gesto, a harmonia, a doçura, a magia, a força, a verdade da nossa alma que se expressa cheia de sonhos mas embate no corpo tão cheio de limites. Nessa época sonhava dançar em vez de andar e queria ser artista itinerante. Mundos voam. Viagens, livros, filmes, pessoas, campos... O mel e as abelhas, um namoro por entre abelhas, em transumância, roubávamos uvas e descansávamos por entre a urze melífera depois de recolher o mel, comíamos o pão que eu fazia na casa que ele tinha feito. Quis estudar, regressar. O estudo é tão só mas faz-nos tão felizes. Procuro essa fronteira entre pessoas inteiras de um pequeno grupo de Teatro, o gesto e a voz de para quem a teoria tem de ser corpo e vida, a filosofia que alarga os horizontes da ciência, uma poesia sempre eterna num teatro decadente que quer ser conhecimento numa casa de terra onde o espírito pode descansar, uma luz a mais no infinito, sempre em viagem soltando o canto.» Rita Blanco Clemente.

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